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Os Ministérios de Estado Feministas de Gabriel Boric

Como o musguinho na pedra

Há alguns dias, em Santiago, o presidente eleito chileno Gabriel Boric apresentou seu gabinete ministerial, que se destaca por uma presença feminina de quase 60%. 14 dos 24 cargos disponíveis foram ocupados por mulheres, apenas 10 foram confiados a homens.

Silvia Alvariza


Foto: Gerardo Iglesias

Para a nomeação, o presidente Boric escolheu pessoas que estivessem "preparadas, com conhecimento e experiência e comprometidas com a agenda de mudanças" que o presidente pretende promover, longe do neoliberalismo. Assim, apresentou um gabinete “com a capacidade de incluir vários pontos de vista, diferentes perspectivas e novas visões”.

Embora fosse previsível esperar paridade de um governo de esquerda, não deixou de surpreender a quantidade de ministras.

A vontade do novo presidente de incorporar mulheres é autêntica: elas não foram designadas em ministérios secundários e muitas vão integrar o chamado gabinete político ou ministérios de Estado.

Algumas delas

Destaca-se no Ministério da Defesa Maya Fernández, bacharel em Ciências, deputada socialista e neta do ex-presidente Salvador Allende, derrocado no brutal golpe de Estado (1973) que a expulsou para o exílio quando era criança.

Pela primeira vez, o Ministério do Interior será ocupado por uma mulher: a independente Izkia Siches, uma jovem médica de hospital público e a primeira mulher a ocupar o cargo de presidenta do sindicato dos médicos.

Além de muito popular por sua luta contra o governo de Sebastián Piñera durante a pandemia, Siches teve grande protagonismo durante a campanha do segundo turno de Boric.

O importante ministério correspondente à Secretaria-Geral do Governo será ocupado pela deputada comunista Camila Vallejo, que desempenhará a função de porta-voz do governo.

Camila Vallejo é uma jovem geógrafa que ganhou destaque ao se desempenhar como líder e presidenta da Federação Estudantil da Universidade do Chile durante os protestos de 2011. Foi porta-voz da campanha presidencial.

Ocupará o Ministério das Relações Exteriores a advogada Antonia Urrejola, simpatizante socialista e presidenta da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (2018-2021), da qual é também integrante.

A jovem jornalista Antonia Orellana, companheira de partido de Boric, será Ministra da Mulher e da Equidade de Gênero, ministério revalorizado que será incorporado ao gabinete político.

Os ministérios do Trabalho, Justiça, Desenvolvimento Social, Saúde, Meio Ambiente, Cultura, entre outros, também serão dirigidos por mulheres.

O Chile tem antecedentes

O movimento feminista chileno ganhou mais força do que nunca. Conseguiu paridade nas candidaturas e na composição da Convenção Constituinte, encarregada de elaborar a Constituição que substituirá a antiga Carta Magna de Pinochet.

A ex-presidenta Michelle Bachelet, durante seu primeiro mandato (2006-2010) nomeou 10 mulheres e 10 homens para cargos ministeriais.

Está claro que os tempos mudaram um pouco, portanto o Chile está prestando homenagem às reivindicações feministas.

No início dos anos 1970, durante o governo de esquerda da Unidade Popular liderado por Salvador Allende, havia apenas uma mulher ocupando um ministério: Mireya Baltra Cortés. Foi Ministra do Trabalho e Previdência Social (junho-novembro de 1972) representando o Partido Comunista do Chile.

Longe da paridade

O mapa "Mulheres na Política: 2021", elaborado pela União Interparlamentar (UIP) e pela ONU Mulheres, constata que, segundo o ranking mundial de mulheres em cargos políticos, o leve aumento do número global de ministras desacelerou; o aumento foi de 0,6% de 2020 para 2021 (de 21,3% para 21,9%). O número de cadeiras parlamentares ocupadas por mulheres também cresceu 0,6% no último ano, passando de 24,9% para 25,5%.

As mulheres ocuparam apenas 21% dos ministérios em todo o mundo e somente em 14 países chegaram a ocupar 50% ou mais dos cargos disponíveis a esse nível.

De fato, o número de países do mundo sem mulheres nos seus governos aumentou.

O documento da ONU Mulheres (2021). “Por uma participação igualitária e inclusiva na América Latina e no Caribe. Panorama Regional e Contribuições para a Comissão da Situação Jurídica e Social da Mulher (CSW65)”, destaca que entre 2019 e 2020, apenas 10 países da região avançaram no desenvolvimento de uma legislação efetiva voltada para a paridade de gênero em cargos eletivos.

Durante os últimos 40 anos, apenas seis mulheres foram eleitas como presidentas e duas delas foram reeleitas.

Xiomara Castro, em Honduras, é atualmente a única presidenta eleita em 2021, na América Latina.

O número de mulheres ministras nos governos da América Latina e do Caribe está longe da paridade de gênero.

Até 2019, em nove países da América Latina, as mulheres ocupavam 30% ou menos dos ministérios, em cinco países podiam chegar a 40% e em apenas quatro chegavam a 50%.

Esses dados também não são completamente significativos, pois em muitos casos a presença feminina está alinhada a um cargo hierarquicamente inferior e se restringe a ministérios associados a funções reprodutivas, longe de pastas-chave como Economia, Defesa, Interior, Relações Exteriores.

As mulheres chilenas de hoje vivem os frutos de suas lutas diárias por seu espaço; porque a reivindicação do feminismo “vai se emaranhando, emaranhando/ como a hera na parede / e vai brotando, brotando / como o musguinho na pedra”, como cantava Violeta Parra.