Foi assim com o ajuste fiscal proposto pela Presidente Dilma Rousseff as vésperas do réveillon de 2014/2015 – avaliado por muitos como o erro determinante para sua queda.
Foi assim com a famosa portaria que legalizava o trabalho escravo no Brasil e que fora editada as vésperas do Dia de Nossa Senhora da Aparecida pelo Ministro do Trabalho Ronaldo Nogueira, no Governo Temer, e que foi a causa do seu “pedido de saída”. Não faltam exemplos desta prática.
Seguindo o guia da maldade, na calada da noite, o presidente Bolsonaro, às vésperas do carnaval, resolveu editar a Medida Provisória 873/2019 que viola gravemente a Constituição Federal de 1988, objetivando tão somente continuar a surra que vem sendo dada nos trabalhadores e trabalhadoras desde a reforma aprovada pelo Congresso Nacional, no Governo Michel Temer.
A reforma não apenas retirou diversos direitos dos trabalhadores, como tentou eliminar qualquer espécie de proteção que pudesse evitar o abuso e a exploração por parte de maus empregadores.
Limitou o acesso a justiça do trabalho (fato que se concretizou com a queda vertiginosa da quantidade de reclamações trabalhistas), acabou com a exigência de que as homologações das rescisões dos contratos de trabalho fossem realizadas nos sindicatos e tornou facultativo o pagamento da Contribuição Sindical.
Ora, não se trata aqui de defender o desconto indiscriminado de contribuições dos salários dos trabalhadores, mas sim o fato de não ter sido estabelecida uma regra de transição que impedisse o fechamento indiscriminado de muitas entidades sindicais.
Realmente, muitas entidades sindicais fecharam suas portas, algumas porque haviam se acomodado com o imposto sindical, outras porque não conseguiram planejar a perda de sua principal receita. Muitas entidades resolveram buscar o amparo da categoria para continuar sobrevivendo e defendendo os trabalhadores.
Qual foi o caminho? O mais lógico, levar para as assembleias das entidades uma consulta sobre os valores e o modo de recolhimento da contribuição aos sindicatos.
Muitas dessas consultas ocorrem nas assembleias de campanhas salariais, quando os trabalhadores decidem o que fazer para melhorar as condições de trabalho e determinam o sistema de custeio da ação sindical.
É evidente que num momento em que as violações e perdas de direitos se acentuaram os trabalhadores passaram autorizar o desconto em folha de pagamento de contribuições ao sindicato.
Esta medida vinha sendo acolhida por muitos juízes do trabalho e, em razão da controvérsia, seria normalmente levada as cortes superiores para a apreciação definitiva.
Amedrontado pela sobrevivência dos sindicatos fortes, o presidente Bolsonaro editou a MP 873 que determina que as contribuições só possam ser descontadas com autorização previa, expressa e escrita do trabalhador, tornando nula a cobrança de qualquer espécie de contribuição aprovada em assembleia da categoria, inclusive nas negociações coletivas de trabalho.
Determinou, ainda, que nos casos de autorização previa a contribuição sindical só poderá ser recolhida através de boleto bancário enviado à residência do trabalhador que tenha autorizado ou, na impossibilidade, à sede da empresa.
Enfim, a proposta acaba com o recolhimento em folha, instrumento amplamente utilizado nas negociações coletivas de trabalho de todo o mundo.
Quem não se recorda desta “clássica” frase do então candidato Jair Bolsonaro? É dispensável discorrer aqui que a geração de empregos não tem nenhuma relação com a extinção de direitos, fato que se comprova com a manutenção do índice de desemprego mesmo depois de aprovada a reforma trabalhista.
Pois bem, o que está por trás da MP 873/2019 é isso: retirar do caminho qualquer obstáculo que possa impedir a supressão dos poucos direitos dos trabalhadores, mesmo que para isso seja necessário rasgar a Constituição Federal que consagra, em seu art.8º, a liberdade e autonomia sindical, e determina que são “vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical”
Ah sim! Há um ponto curioso na Medida Provisória: a autorização prévia, voluntária, individual e expressa deve ser dada pelo empregado, ficando os sindicatos patronais livres para aprovar suas contribuições em assembleia, inclusive, para deliberar outra forma de recolhimento que não o boleto bancário;
O que resta aos sindicatos? Para muitos o momento agora é de lutar pela reprovação da matéria no Congresso Nacional. Outro caminho seria buscar nas cortes superiores uma decisão que suspendesse os efeitos desta decisão tanto pela violação ao art.8º, como pela violação ao art. 62, que limita a adoção de medidas provisórias a casos de relevância e urgência, o que não se aplica a esse caso.
O que penso? Dificilmente a justiça irá reverter a decisão, há muito tempo as Cortes Superiores vêm flertando com medidas contra a organização dos trabalhadores.
O Congresso Nacional, então, nem se fala, salvo raras exceções tem sido uma casa que costuma não apenas flertar, mas sim viver uma lua de mel com os maus empregadores e com aqueles que querem aprovar todas as medidas que pioram a vida do trabalhador. Aliás, essa tem sido a receita nos últimos anos.
Qual a saída? O movimento sindical precisa olhar para a base novamente, assim como fez para convencer os trabalhadores a aprovarem em assembleia o financiamento da atividade sindical após a reforma trabalhista.
É preciso demonstrar que essa medida não é contra os “sindicatos”, e sim contra a “organização dos trabalhadores”; é contra qualquer estratégia de resistência ou de enfrentamento a classe patronal e as violações de direitos.
É preciso deixar claro a gravidade do momento e as maldades que estão por vir e que a ausência dos sindicatos poderá deixá-los reféns do tão aclamado “mercado”.
Mas está na hora também, do movimento sindical brasileiro se encorajar a fazer um debate dificílimo, mas que se mostra urgente: deveríamos limitar os benefícios da ação sindical, sobretudo os acordos e convenções coletivas, apenas para os trabalhadores filiados?
É preciso reconhecer que muitos trabalhadores celebraram o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical. Muitos motivados pela ausência de atuação do seu sindicato, outros por ignorância e uma parte por ter sido convencida pelo discurso patronal de que os sindicatos não servem para nada.
Não seria o momento de demonstrar a estes trabalhadores que a única forma de melhorar as condições de trabalho é através da negociação coletiva?
Mesmo diante dos cenários de dificuldades no Poder Judiciário e no Poder Legislativo, todas as ações são válidas. Não podemos ficar sentados, bebendo suco de laranja, não podemos dispensar qualquer ferramenta de luta.
Mas é preciso pensar no plano “b” e, às vezes, ele está onde menos imaginamos. Que comecemos a, pelo menos, discutir que os trabalhadores precisam ficar de um lado.
Beneficiar trabalhadores não filiados aos sindicatos com acordos e convenções é alimentar, muitas vezes, o inimigo.