Com Sergio Luis Fagundes
“Aquele que busca a verdade e cria seu próprio destino
Aquele que endireita a estrada, na marra e na vontade
Sem se importar onde estiver, nem quão dura for sua vida
Sempre encontra uma saída, para o que vive com dignidade”.
(Rubén Blades, La belleza de un Son, tradução livre).
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Alimentação de Lajeado e Região nos recebeu em seu espaço sindical enquanto passávamos pela cidade. Firme em suas convicções e afável como pessoa, ele nos conta como desde criança foi obrigado a se valer por si mesmo e como isso está presente em sua gestão na organização sindical.
Gerardo Iglesias
29 | 09 | 2022
Sergio Luis Fagundes | Foto: Gerardo Iglesias
Lajeado está localizada a 120 km de Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul.
Chegamos à sede do sindicato no centro da cidade. Sérgio nos recebe e nos orienta pelo amplo espaço para múltiplos eventos e, ao fundo, no estrado, ele me pede para descobrir uma grande placa: aparece então o logo da Rel UITA, enorme como o sorriso cúmplice de Paulo Madeira, presidente da Federação.
Depois de tamanha confabulação, Sergio, em seu escritório, tomando chimarrão, impõe a cadência e o conteúdo do encontro. Sua narrativa se apoia em sua infância em situação de rua, na dissolução da família, em suas raízes na intempérie, o que perdeu e ganhou na vida.
“Nasci em Arroio do Medio, a poucos quilômetros daqui, há 58 anos. Quando minha mãe saiu de casa, decidi ficar com meu pai”, começou contando.
“Isso aconteceu em 1972-1973. Ao mesmo tempo, meu pai adoeceu com um terrível câncer no rosto e por isso teve que receber atendimento clínico em Porto Alegre, onde ficou meses internado. Eu tinha uns sete anos e quando meu pai viajava para a capital, eu ficava sozinho em casa. Literalmente sozinho. Em 1976 meu pai faleceu e minha mãe, que tinha outro marido, se esqueceu de mim, sendo eu apenas uma criança”.
O silêncio pesa no ar. O chimarrão chega oportuno, salvador. Sergio o segura com as duas mãos, procurando encontrar nele o calor que naquele momento não encontra nem dentro de si e nem na manhã cinzenta e gelada.
Mais tarde descobrimos que desde criança, Sergio se defendia como podia: catava lenha, capinava a terra, estava sempre disponível para fazer todo tipo de biscates em troca de comida.
“Nunca gostei de pedir”, sentencia orgulhoso.
Aos 15 anos, conseguiu seu primeiro emprego com carteira assinada em uma sorveteria chamada Urso Branco, e em pouco tempo já tinha as chaves do lugar. A verdade é que ele saiu adiante, apesar de tudo, e do quão dura foi sua infância e adolescência.
Suas cartas estavam na mesa antes do jogo começar? O destino se endireita na marra e na vontade? A rua e as pessoas que viviam nela há cinquenta anos eram diferentes? Havia redes de apoio mais sólidas e solidárias?
Sergio conclui: “a situação era diferente, mas são as pessoas que fazem a diferença. Nunca tive problemas com a polícia, nem com drogas, nem com roubo. Assim me fiz, a rua foi a minha escola e a própria vida foi me levando”.
“Minha infância na rua me fortaleceu como pessoa, estruturou meu caráter, me faz reavaliar minha família todos os dias. Aferrado ao trabalho sempre para ganhar o meu pão, isso me permitiu sair das ruas sem ser um criminoso ou um viciado”.
Sergio está à frente do sindicato da alimentação com o maior número de filiados do estado.
“Sou sindicalizado há 34 anos, quando entrei no Frigorífico Minuano como funcionário. No caminho sindical me topei com o Paulo (Madeira), um irmão, com quem aprendi que ser sindicalista é dar o melhor de si na construção coletiva de um país melhor”.
E sem crianças na rua, me permito anexar.