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Uma pesquisa revela a transnacional de frente e verso

A Syngenta foi desfolhada

A Syngenta é uma das maiores transnacionais do agronegócio, liderando a venda de agrotóxicos mundialmente, estando entre as principais fornecedoras de sementes transgênicas. Um estudo recente dessecou esta megaempresa, sediada na Suíça, controlada pelo governo chinês e tendo atualmente a América Latina como seu mercado mais forte.

Daniel Gatti

25 | 01 | 2023


Imagem: Allan McDonald | Rel UITA

O Grupo Syngenta é relativamente novo. Nasceu em 2000, da fusão das divisões químicas de dois grandes grupos: a suíça Novartis e a sueco-britânica AstraZeneca.

Hoje possui quase 72 mil empresas em mais de cem países, tuteladas pela Sunochem Holdings, um conglomerado com sede em Shangai.

Dotado de quatro unidades de negócios (uma baseada na Suíça, outra nos Estados Unidos, outra em Israel e outra na China), o grupo tem sua casa matriz na Basileia, na suíça germânica, perto da fronteira com a Alemanha e a França.

De acordo com os dados fornecidos pelo próprio grupo, foram contratadas umas 50 mil pessoas nos primeiros nove meses de 2022, além de ter faturado 26 bilhões de dólares, 24 por cento a mais em comparação com o mesmo período do ano anterior.

A América Latina representa habitualmente um terço das vendas totais da Syngenta, seguida da Europa, da África e do Meio Oriente (27 por cento em 2021), da América do Norte (24) e da Ásia Pacífico (16).

Seu “forte foi a venda de agrotóxicos”, setor que lidera mundialmente, estando à frente inclusive da Bayer-Monsanto, é o que afirma o relatório publicado no dia 3 de janeiro deste ano, pela jornalista especializada Anabel Pomar, da Agência Tierra Viva.

A Syngenta também encabeça as vendas de sementes transgênicas nos grandes mercados da região. “Dos 68 cultivos transgênicos autorizados pela Argentina, a Syngenta possui 14, de algodão, milho e soja”, informa o relatório.

Ecumênicos

O grupo trabalha harmonicamente com governos de diferentes alinhamentos, sejam governos conservadores ou progressistas, porém estes mesmos governos não se opõem em praticamente nada quando do essencial se trata, isto é, na hora de encarar modelos de desenvolvimento.

Uma prova: em 2021, o governo argentino de Alberto Fernandez incorporou a Syngenta em seu “Plano contra a fome”, entendendo que a “agroindústria é o principal motor para terminar com a pobreza e recuperar a rota do crescimento de maneira sustentável”, de acordo com as palavras de um diretor da empresa, que foram aplaudidas por representantes do Executivo.

Mais ainda: no dia 5 de janeiro o ex CEO da corporação Antonio Aracre se uniu à equipe de assessores de Fernández e em seguida colocou os pontos nos is, com declarações sobre a necessidade de dar “segurança jurídica” aos investidores privados.

Esta simbiose entre representantes corporativos e governamentais, escreve a jornalista argentina Pomar, foi “amplamente repudiada por organizações da sociedade civil e pelas assembleias dos povos pulverizados, que destacaram algo óbvio, menos para o governo: que os commodities não são alimentos e que quem é parte das causas da fome não pode ser parte das soluções”.

Lá não, aqui sim

A Syngenta _com seus iguais do agronegócios_ conseguiu colocar sem problemas na América Latina os praguicidas ou herbicidas que em outras regiões do mundo (particularmente na Europa) estão proibidos ou foram incluídos nas listas de produtos de alta periculosidade.

Entre eles: ametrina, atrazina, clorotalonil, diquat, glifosato, lambdacialotrina, paraquat e tiametoxam.

Todos estes compostos, utilizados em formulações que são pulverizadas frequentemente e sem nenhuma precaução, ou com pouca precaução, nas plantações de soja, de milho, de trigo, foram vinculados pelas pesquisas científicas a graves danos para a saúde das pessoas e para o meio ambiente.

“O lucro da Syngenta provém principalmente da venda de três perigosíssimos herbicidas: atrazina, paraquat e glifosato”, recorda a autora da pesquisa.

Uma quarta parte do paraquat utilizado no mundo é vendido pela Syngenta. Seu uso já foi proibido em 72 países e o uso da atrazina proibido em 40 países.

O glifosato poderia _talvez_ ir pelo mesmo caminho.

Em 2015, uma agência das Nações Unidas declarou o glifosato potencialmente cancerígeno para humanos e, nos últimos anos, a justiça norte-americana condenou em várias instâncias a Bayer-Monsanto, fabricante do Roundup, o agrotóxico mais “popular” do mundo à base de glifosato, por diversas e várias doenças causadas nos agricultores.

Omertá

A denúncia do Terra Viva revela também os estreitos vínculos entre várias corporações do agronegócio que, apesar de serem concorrência entre si, se defendem mutuamente quando os produtos-estrela de alguma das corporações são questionados.

“Nos documentos conhecidos como os ‘Papeis da Monsanto’ abundam evidências de como a empresa Monsanto (agora Bayer) ocultava os perigos” do Roundup, avisa Pomar.

E destaca que “na mesma documentação figura a participação da Syngenta em ações principalmente destinadas a entorpecer o trabalho de organismos regulatórios e/ou políticos ou trabalhos científicos impedindo que a defesa da saúde pública prime perante os interesses comerciais”.

“Concorrentes no mercado, Syngenta e Bayer-Monsanto foram e são aliadas e parceiras em conhecidos grupos de pressão para conseguirem que o herbicida continue sendo comercializado na União Europeia. Primeiro, por meio do Grupo de Ação do Glifosato e depois por meio do Grupo de Renovação do Glifosato”.

Além disso, a Bayer operou em parceria com a Syngenta quando o Gramoxone, principal produto da corporação suíço-china, elaborado com paraquat, começou a sofrer denúncias.

Assim como os diretores da Syngenta defenderam seus iguais da Monsanto-Bayer quando estes foram acusados _com provas_ de estarem cientes dos males que o Roundup poderia causar em quem entrasse em contato com o produto, os diretores da Bayer cobriram os da Syngenta quando foi divulgado _também com provas_ que estes sabiam que o Gramoxone poderia causar a doença de Parkinson.

E nós?

A jornalista investigativa Pomar denuncia também vários casos de vítimas de pulverização não só fazendo uso destes, mas também de outros agrotóxicos.

Um caso emblemático é o da Sabrina Ortiz, uma mulher originária de Pergamino, situada na província de Buenos Aires, Argentina.

“Em seu organismo há glifosato, AMPA (o metabolito do glifosato) e lambdacialotrina. Ortiz teve dois ACVs isquêmicos, sofreu um aborto espontâneo e seus filhos sofrem danos genéticos por causa das pulverizações. Sua filha Fiama (21 anos) tem uma estranha patologia denominada osteomielite crônica recorrente, gerando cistos dentro dos ossos. Ela e seu irmão Ciro (de 9) têm cem vezes mais glifosato na urina do que a quantidade tolerada”, descreve a jornalista.

Sabrina Ortiz declarou para o Tierra Viva: “Saber que eles se enriquecem vendendo essas substâncias me produz muita indignação, impotência, além de uma insuportável dor”.

E acrescenta: “estas empresas não se importam com a vida humana nem com a biodiversidade. Suas vendas se traduzem na perda de seres queridos, nas doenças, enfim, em muitas mortes. A vida de nossos filhos, as nossas próprias vidas, os nossos recursos, nada disso tem valor para estas corporações”.