Agricultura bombardeada
No Seminário Nacional de Saúde e Trabalho no Setor da Alimentação, organizado pela CONTAC e nossa Internacional (Chapecó, 25 e 26 de julho), os agrotóxicos e o cartel de transnacionais foram parte da agenda.
Gerardo Iglesias
22 | 8 | 2024
Imagem: Allan McDonald
A intoxicação por biocidas no Brasil alcança uma situação de calamidade pública, com previsão de agravamento nos próximos anos. Jair Bolsonaro foi o homem “Escolhido”, encaixado sob medida para o agronegócio: e a fome se juntou com a vontade de comer.
Bolsonaro, defensor da posse e utilização massiva de armas, que não hesitou em afirmar: “Temos que fazer o que a ditadura deixou passar: matar 30.000 pessoas”, chegou à administração do governo federal também para fornecer mais poder de fogo ao arsenal químico dos ruralistas que, diariamente, devastam o que é próprio e o que é alheio, no chão e nos lençóis freáticos, transformando a natureza e o meio ambiente em um campo de batalha.
A poderosa Frente Parlamentar Agropecuária (44% na Câmara dos Deputados e 33% no Senado) catapultou Bolsonaro à Presidência em 1º de janeiro de 2019.
O Escolhido —leal e agradecido— soube retribuir o favor nomeando ministra da Agricultura a líder da bancada ruralista, Tereza Cristina —a “Musa do Veneno”, assim chamada por seus próprios colegas—.
O ineditismo do bolsonarismo foi o dinamismo imposto na tramitação de novas licenças —registrando um recorde absoluto e absurdo—, e o Brasil recebeu todo o resíduo que países civilizados —de dupla moral— proíbem. Atualmente, o país importa da União Europeia mais de 10 mil toneladas de pesticidas proibidos no velho continente.
De qualquer forma, seria exagerado e impreciso colocar toda a culpa sobre o ex-presidente. A construção da matriz agrária hegemônica se perpetua no Brasil desde os anos 60 com a “Revolução Verde”, o processo mundial exportado pelos Estados Unidos, que marcou um quadro na “quimificação da agricultura por meio do uso intensivo de pesticidas”, como afirma Cecilia Gárgano, pesquisadora argentina.
“A agricultura industrial depende mais do petróleo do que da terra”, como bem define Jorge Riechmann. Trata-se de uma agricultura suicida, quimicamente dependente, de plantas viciadas.
Com uma agricultura feita sob medida para a indústria química-farmacêutica, o mercado mundial de agrotóxicos não para de crescer. Nos últimos 10 anos, aumentou 93% globalmente, mas no Brasil o crescimento foi de 190%.
Por isso, não é de se surpreender que mais de 90% das análises de água realizadas no Brasil detectaram a presença de agrotóxicos; que, depois da Nigéria e da Índia, o Brasil seja quem aplica o maior percentual de PAP (Pesticidas Altamente Perigosos) em seus campos, e que estudos científicos tenham detectado glifosato no leite materno, como indicado por Carlos Amorín neste site.
Enquanto o Brasil e o mundo contam os mortos por agrotóxicos, um punhado de transnacionais lucra como nunca em nome da agricultura moderna e do combate à fome.