-Como está formado o setor açucareiro na Colômbia?
-O setor agroindustrial da cana de açúcar é formado por várias organizações. Temos a Procaña (Produtores e fornecedores de cana de açúcar), Azucari (Associação de fornecedores do Engenho Risaralda), Asocaña (reúne os engenhos, mas também a produtores pequenos), Cenicaña (Centro de pesquisa da cana de açúcar onde os produtores colaboram para desenvolver a pesquisa), Tecnicaña (técnicos dos engenhos e agrônomos) e Ciamsa (comercializadora de açúcar e mel).
-Como é feita a distribuição daárea plantada com cana de açúcar entre a produção de açúcar e a de etanol?
-A produção se concentra na parte sul ocidental do país. No Valle de Cauca foram plantados uns 178 mil hectares, 43 mil em Cauca e 8.700 em Risaralda, Quindio e Caldas. No total, estamos falando de aproximadamente 230 mil hectares em um vale geográfico que reúne 47 municípios e 5 departamentos.
Também devemos lembrar que a Colômbia tem mais áreas plantadas com cana de açúcar nas ladeiras da região andina, que são para a produção de rapadura. Estamos falando de 250 a 300 mil hectares e cerca de 20 mil trapiches no vale geográfico do rio Cauca.
São pequenos e médios produtores que juntos chegam a 350 – 400 mil famílias, espalhadas por 27 departamentos e 500 municípios, em uma produção artesanal. Neste setor não há grandes produtores, porque existe uma lei, a “Ley Panalera”, que proíbe a indústria açucareira de produzir rapadura.
Nossa preocupação, então, está dirigida também a este setor e sempre devemos ver como as medidas, tomadas com relação aos produtores de açúcar e de etanol, podem afetar o setor de produção de rapadura.
Então, não é certo, como querem nos fazer crer, que a plantação de cana de açúcar está em mãos de uns quantos engenhos e latifúndios. Também não é certo que se o setor de açúcar cair, apenas 7 grandes famílias serão afetadas. É exatamente o contrário.
A cana de açúcar é cultivada por mais de 2.750 produtores, enquanto que os engenhos são apenas 13 e com uma capacidade total instalada para processar 80 mil toneladas de cana por dia.
Além disso, o setor conta com 6 destilarias de etanol – quase 2 milhõesde litros por dia, - 2 empresas produtoras de papel, 3 empresas de sucroquímica, 21 empresas de transporte de cana e de bagaço, e 12 fábricas de cogeração de energia elétrica e térmica.
Do ponto de vista social, a agroindústria açucareira gera perto de 188 mil postos de trabalho, enquanto que o setor da rapadura gera quase 1,3 milhão de empregos. Juntos representam o segundo gerador de emprego na Colômbia, depois do café.
Estamos falando, então, de 1,5 milhão de pessoas que trabalham no setor e de quase 6 milhões cujas vidas dependem da atividade de produção de açúcar e de rapadura. Esta é a realidade que pretendem ocultar.
-De acordo com os seus dados, também é interessante a questão de como está distribuída a propriedade da terra com plantação de cana...
-Exatamente. Dos 230 mil hectares plantados com cana, 174.800 hectares (76 por cento) estão em mãos de 2.750 fornecedores e apenas os restantes 55.200 são de propriedade dos engenhos (24 por cento).
Isto demonstra que, contrariamente ao que querem nos fazer crer, não são os engenhos os principais donos da terra.
Considerando que os engenhos arrendam terras para os fornecedores plantarem cana, podemos dizer que, no final, os engenhos e fornecedores manuseiam cada um aproximadamente 50 por cento da terra plantada com cana de açúcar.
Neste sentido, é importante fortalecer a cadeia de produção e a unidade entre os engenhos, os fornecedores e os produtores de rapadura.
Há que dar suporte para a pequena e média empresa – 65 por cento dos terrenos têm menos de 60 hectares - assim como a agricultura familiar, que é a que põe mais de 60 por cento da comida na mesa das famílias colombianas.
Com a Cenicaña, por exemplo, estamos vendo toda a questão das práticas sustentáveis de produção de cana de açúcar. Os pesquisadores podem nos dar linhas de trabalho de maneira autônoma, livre e independente, para que depois os produtores possam saber para onde dirigir seus esforços e investimentos.
Dessa forma, temos muito o que contribuir. Infelizmente, não contamos com recursos do governo para fortalecer este processo.
-Que tipo de planta é a cana de açúcar?
-É uma planta muito eficiente na captura de energia solar e em sua transformação em carbono, em biomassa (material seco) e em matéria orgânica no solo. Não há planta mais eficiente na produção de biomassa por unidade de superfície.
Neste sentido, a cana de açúcar poderia ser de grande ajuda com relação à problemática da mudança climática.
Devemos aproveitar toda essa biomassa e esse carbono que fica no campo para o aprimoramento da matéria orgânica, uma maior retenção de água e, como alternativa, a queima da cana.
-Você e sua família possuem uma longa trajetória como produtores, não é?
-Tenho a sorte de ser parte de uma empresa familiar que já chegou à sua nona geração.
A empresa tem 260 anos de história familiar. Graças ao princípio filosófico de gerações anteriores, entendemos que a produção e a conservação não só não são conflitantes, como também são dois elementos que estão unidos e em harmonia.
Já são 30 anos de pesquisa no manuseio da cana de açúcar com princípios agroecológicos. Isto quer dizer, respeito à vida em todas as suas formas e ainda tem que ver com um uso cada dia mais eficiente da fotossíntese, eliminando a utilização de qualquer tipo de produto químico e da queima da cana.
São princípios onde o uso de água é fundamental para a sua eficiência, assim como a recuperação do solo. Na pesquisa que promovemos, vimos que o que tínhamos perdido em 20 anos, conseguimos recuperar rapidamente em matéria orgânica.
Nossos solos hoje voltaram a ter 4 por cento de matéria orgânica, os custos em irrigação são quase a metade dos custos dos cultivadores convencionais. Além disso, a dependência aos insumos e aos fertilizantes é mínima.
-Tudo o que você explicou até o momento deixa ainda mais incompreensível a política promovida pelo governo colombiano.
-A pergunta é: por que em um mundo que protege os seus produtores por meio de instrumentos de políticas públicas, que visam estabilizar o setor primário, na Colômbia se faz exatamente o contrário, reduzindo as tarifas e colocando em risco o futuro do setor do açúcar e da rapadura?
Isso tem muito a ver com a questão do Tratado de Livre Comércio (TLC). O que vemos é uma balança comercial agropecuária em crise.
Há alguns anos tínhamos um superávit comercial de 2,5 bilhões de dólares, enquanto que hoje essa cifra chega apenas aos 500 milhões, ou seja, estamos cada vez importando mais e exportando menos. Onde está então o benefício real dos TLC?
Infelizmente, a situação é muito parecida com a do México, quando este assinou o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA). Naquela ocasião, os EstadosUnidos inundaram o México de açúcar barato, acabando com o setor e obrigando praticamente o Estado Mexicano a se encarregar dos engenhos falidos.
Vinde anos depois, quando o governo mexicano voltou a privatizar os engenhos e os novos proprietários se dispuseram a exportar açúcar para os Estados Unidos, o governo norte-americano passou a defender os seus produtores e manifestou a necessidade de modificar o NAFTA.
O que acontece, então, é uma dupla moral que nos afeta muito e que, tanto como país como governo, não deveríamos aceitar nem nos abrir ainda mais, contra a invasão dos produtos agropecuários.
-Qual é a sua opinião sobre o decreto que reduz drasticamente a tarifa sobre o açúcar importado?
-É um risco muito grande que poderia acabar com a rentabilidade de 230 mil hectares sem oferecer nenhuma alternativa.
As empresas familiares com terrenos de até 60 hectares seriam as mais afetadas. Além disso, haveria um efeito de concentração da terra pela quebra destes pequenos e médios produtores.
Muitos dizem que o Valle del Cauca é uma beleza para frutas, hortaliças e outros alimentos. Mas isto tem que ser organizado e montado com tempo, não é algo que pode ser improvisado. Além disso, uma conversão de produção precisa de uma política pública que impulsione a mudança e a diversificação vai precisar de crédito, e não estamos vendo nada disso.
Reduzir na canetada as tarifas deixa a pessoas expostas à quebra e sem a capacidade de poder migrarpara outra atividade econômica agropecuária.