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Câmbio Climático: uma sentença inapelável

A CIDH declara o direito a um clima saudável e põe fim à indiferença

Carlos Amorín

14 | 7 | 2025


Enchentes no Rio Grande do Sul | Foto: Agência Brasil

Não há mais dúvidas... nem tempo: a humanidade está diante do abismo de uma crise climática sem precedentes, uma ameaça que, longe de ser uma possibilidade distante, já é uma emergência presente que impacta diretamente o gozo e o exercício dos direitos humanos.

Diante dessa encruzilhada existencial, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiu uma decisão histórica, "um verdadeiro marco jurídico", segundo especialistas: o parecer consultivo 32 de 2025 (CO 32/2025), notificado em 3 de julho de 2025. Essa decisão, solicitada pelo Chile e pela Colômbia em 2023, marca uma virada decisiva para a proteção de nossa espécie e de nosso lar. A presidente da CIDH, Nancy Hernández López, foi categórica: "A crise climática está impondo uma pressão sem precedentes sobre a sobrevivência humana. Diante disso, os Estados devem agir diligentemente para enfrentar as causas das mudanças climáticaso”.

Uma decisão participativa

O que foi decidido não é apenas um ato jurídico, mas o ápice de um processo sem precedentes na história da Corte. Mais de 600 atores globais — incluindo Estados, comunidades científicas, organizações internacionais, sociedade civil e setor privado — apresentaram quase 260 observações escritas. Isso se soma às mais de 180 delegações ouvidas em três audiências públicas históricas realizadas em Barbados e no Brasil em 2024. Durante essas audiências, a Corte se reuniu com representantes de Estados, vozes ancestrais de povos indígenas do Alasca à Patagônia, crianças e adolescentes, cientistas, instituições acadêmicas e especialistas na área.

Essa participação massiva e diversificada é mais uma prova de que as mudanças climáticas são um desafio compartilhado que exige respostas inclusivas e urgentes, firmemente enraizadas no direito e na ciência. A justiça climática, com uma abordagem de direitos humanos e uma cooperação internacional mais forte, está sendo colocada em pauta.

As mudanças climáticas são uma ameaça aos DDHH

Por meio desse processo monumental, a Corte revelou uma verdade inescapável: o aumento acelerado da temperatura global, causado principalmente por atividades humanas, constitui uma emergência climática que ameaça direta e crescentemente os direitos fundamentais de milhões de pessoas. Seus impactos são cruelmente desiguais, afetando com maior gravidade aqueles com menor capacidade de resposta: países com menos recursos econômicos e pessoas em situação de vulnerabilidade. E, nesse contexto, a Corte deu um passo ousado e pioneiro: pela primeira vez, reconheceu a existência de um direito humano autônomo a um clima saudável, diretamente derivado do direito a um meio ambiente saudável.

"Um clima saudável" - explica a Corte - "é aquele livre de interferências antropogênicas perigosas para os seres humanos e para a natureza como um todo, protegendo os interesses individuais e coletivos, incluindo os direitos das gerações presentes e futuras". Esse reconhecimento não é pouca coisa, define claramente as obrigações do Estado e permite sua execução de forma autônoma.

O pé no acelerador

Mas o que isso significa na prática? A Corte tem sido taxativa: os Estados têm obrigações convencionais concretas, não meras aspirações voluntárias. Ele identifica três deveres inescusáveis: respeito, salvaguardas e cooperação. Isso se traduz em um mandato claro: “Os governos devem abster-se de qualquer comportamento que cause um retrocesso injustificado na proteção contra a crise climática e, ao mesmo tempo, devem adotar todas as medidas necessárias para reduzir os riscos decorrentes da degradação do sistema climático e das condições de exposição e vulnerabilidade”.

Essas medidas, e esta é a chave para uma ação eficaz, devem ser baseadas na melhor ciência disponível e incorporar a perspectiva essencial dos direitos humanos em todas as etapas da ação climática.

A lista de ações é um roteiro para a sobrevivência. É imperativo reduzir as emissões de gases de efeito estufa e avançar decisivamente em direção a modelos de desenvolvimento sustentável. Os Estados têm o dever de regular adequadamente o comportamento dos indivíduos, supervisionar diligentemente o comportamento corporativo e garantir transparência, monitoramento e responsabilização. A Corte apela diretamente às empresas, observando que elas devem não apenas respeitar os direitos humanos, mas também remediá-los, e que os direitos humanos devem ser protegidos de potenciais violações decorrentes da extração de minerais para a transição energética.

Além disso, a Corte lembrou que certos direitos são particularmente vulneráveis ​​diante desta emergência — a vida, a saúde, a integridade pessoal, a água, a alimentação, entre outros — que devem ser protegidos por meio de políticas de adaptação que considerem as necessidades diferenciadas de indivíduos e comunidades em situação de vulnerabilidade, com atenção especial às mulheres, crianças, povos indígenas, comunidades afrodescendentes, comunidades camponesas e pesqueiras, entre outros.

É um dever inalienável garantir o acesso à informação, à justiça, à participação pública e ao conhecimento científico, valorizando também o conhecimento local, tradicional e indígena como parte dessa "melhor ciência disponível". E, em um ato de justiça e reconhecimento, reafirma-se um dever reforçado de proteção aos corajosos defensores do meio ambiente. Por fim, os planos de adaptação e as metas de mitigação dos Estados devem ser mantidos atualizados, isso não é mais uma questão de vontade, mas de responsabilidade legal.

Um novo espaço de luta

O impacto deste Parecer Consultivo transcende as fronteiras da América Latina. Como interpretação autorizada e vinculativa para os países da região que reconhecem sua jurisdição e como guia para todos os membros da OEA, ele estabelece um precedente fundamental. Abre a porta para que as comunidades afetadas pela crise climática acessem a justiça por meio de litígios estratégicos, fornecendo inúmeras ferramentas e argumentos jurídicos. Sua influência poderá ser poderosa e transformadora nas próximas negociações internacionais na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), no Brasil, ao transformar compromissos climáticos em obrigações legais vinculantes.

A CIDH tem sido enfática: os direitos humanos não são alheios à crise climática, eles estão em seu cerne. Este Parecer Consultivo não impõe uma solução única; pelo contrário, apela a uma ação plural, contextualizada e solidária. Diante de uma ameaça de tamanha magnitude, não há espaço à indiferença nem ao negacionismo. O que está em jogo não é apenas o futuro do nosso planeta, mas a própria existência da humanidade e seus direitos. O sucesso final desta batalha dependerá da ação coletiva e concertada de Estados, empresas, organizações sociais e de toda a comunidade internacional. O direito falou, a ciência soou o alarme. Agora, a responsabilidade é nossa.