Com Sérgio Poletto (II e última parte)
1.688 milhões de litros de agrotóxicos
Sérgio é vice-presidente da Federação dos Trabalhadores Assalariados Rurais do Rio Grande do Sul (FETAR-RS), Brasil. Ele trabalha incessantemente visitando plantações e cultivos em sua região natal, Vacaria, e em todo o estado. Uma área de forte presença de soja, mas também de frutas. Esta é a segunda e última parte da entrevista que ele concedeu à La Rel, na qual compartilha relatos sobre as práticas cotidianas de uso de agrotóxicos, em detrimento da saúde dos trabalhadores e trabalhadoras.
Carlos Amorín
7 | 3 | 2025

Ilustração: Allan McDonald’s - Rel UITA
—Você mencionou a presença de milhares de argentinos trabalhando nos campos. Isso é comum?
—Isso ocorre há uns dois anos. Eles começam a chegar nesta época de colheita. Em anos anteriores, vinham muitos indígenas que ainda vêm, porém em menor quantidade.
Uma das razões é que a Argentina está mais próxima daqui do que as regiões onde os indígenas habitam, e acredito que a situação econômica precária da Argentina faz com que esses trabalhadores venham de qualquer forma trabalhar aqui.
Eles estão vindo apenas com visto de turista. É uma situação que favorece aos abusos, então, como sindicato, como federação e como fiscalização do Ministério do Trabalho, precisamos estar muito atentos para impedir isso.
Agora mesmo estão para chegar os inspetores da Comissão de Direitos Humanos, do Ministério Público do Trabalho e da FUNAI de Mato Grosso do Sul, para reiniciar hoje à tarde uma visita a todas as plantações aqui de Vacaria.
—Antes era o contrário: os trabalhadores brasileiros iam trabalhar na Argentina.
—Aqui na região da Serra da Grande Caxias, muitos argentinos vêm para a colheita da uva. Inclusive, vários foram resgatados em condições de trabalho análogas à escravidão. Eles estavam alojados de forma precária, temos fotos. Uma barbaridade.
Os trabalhadores são menos cuidados que um trator.
—Quais são as principais carências em segurança no trabalho para os trabalhadores rurais?
—São muitas, e por isso o trabalhador frequentemente fica exposto a diversos riscos. Por exemplo, eles trabalham na plantação e pulverizam o produto em cima do trabalhador. Não há como se proteger.
Outro de nossos problemas aqui é que o trabalhador entra nas áreas de serviço logo após a pulverização, sem esperar o chamado "tempo de carência" de 24 ou 48 horas.
Essa é a principal queixa dos trabalhadores. Assim que o veneno é aplicado, o patrão os manda trabalhar sem esperar o tempo de carência recomendado. E, em geral, eles têm que entrar sem proteção.
Esse é um dos principais problemas que detectamos, e temos notado um número elevado de trabalhadores com sintomas de intoxicação.
—Quais são os cultivos mais pulverizados nesta região?
—O uso intensivo de agrotóxicos está intimamente ligado ao cultivo de transgênicos, especialmente da soja. No Rio Grande do Sul, especialmente.
A soja é a campeã em uso de agrotóxicos. Segue o milho, e nesta região também a fruticultura, que utiliza muitos agroquímicos como o 2-4-D e outros extremamente prejudiciais, mas o glifosato é o mais utilizado no Brasil.
Temos alguns dados que dizem que, por cada brasileiro, são utilizados cerca de 8 litros de agrotóxicos por ano. Então, imagine a população do Brasil, 211 milhões de pessoas, utilizando 8 litros por pessoa, são 1.688 milhões de litros de agrotóxicos espalhados a cada ano no solo brasileiro.
É uma loucura. É uma loucura — repete Sérgio tentando visualizar mentalmente essa quantidade de veneno.
—Um dilúvio de agrotóxicos...
—Precisamos colocar tudo isso em um contexto geral, porque além da saúde dos trabalhadores, o ambiente é afetado, e isso envolve tudo: a água, as florestas, a fauna, a flora, enfim, tudo.
Quando eu era jovem, eu caminhava por esses campos e via um monte de espécies de aves e plantas. Hoje não se vê nada além de soja. Acabaram com tudo.
—E o que acontece na produção frutícola?
—O Brasil produz muita fruta e bem diversificada. Aqui no sul, são frutas de clima mais frio do que no norte, como maçã, uva, e todo o setor depende muito da aplicação de agrotóxicos.
Para dar um exemplo, dependendo do ano, a maçã recebe cerca de 50 aplicações de agrotóxicos.
Na semana passada, eu estava visitando uma propriedade e o técnico agrônomo comentou que teriam que fazer uma pulverização porque a chuva estava ameaçando chegar. Mas, quando para a chuva, também aplicam agrotóxicos. Isso afeta os trabalhadores, claro, o ambiente e até a própria fruta que consumimos.
En el Nordeste se produce uva todo el año, pero a fuerza de químicos, Incluso la banana, se aplican agrotóxicos para que sea más grande, o tenga mejor color, etcétera.
No Nordeste, a uva é produzida o ano inteiro, mas à base de produtos químicos. Até a banana recebe agrotóxicos para ficar maior ou ter melhor cor etc.
Quando vamos ao supermercado, somos enganados escolhendo a fruta que tem a aparência mais bonita, sem saber que é a que recebeu mais agrotóxicos.
—Como essa situação poderia ser mudada?
—Nosso trabalho, além de zelar pela proteção da saúde dos trabalhadores nas propriedades e cultivos, é fazer com que sejamos ouvidos para que o governo estabeleça limites para esses produtos.
Por exemplo, no Brasil não há impostos sobre agrotóxicos, e isso deveria ser feito, pois eles geram danos que precisam ser reparados, e isso custa dinheiro.
Também é preciso estabelecer políticas no nível do governo federal e estadual de promoção e apoio à agricultura orgânica. E regulamentar e controlar a venda e o uso de agrotóxicos que, atualmente, são vendidos livremente.
Qualquer pessoa pode ir a um comércio e comprar o químico que quiser, sem precisar de uma ordem de um agrônomo. Não há registro de quem comprou.
Eu até já vi vendedores ambulantes que chegam às casas dos produtores com caminhonetes carregadas de agrotóxicos.
Sem a ação política decidida de um governo, isso é muito difícil de reverter.