As LER nos frigoríficos
No dia 26 de fevereiro, lembrando o Dia Internacional de Combate às Lesões por Esforço Repetitivo (LER/DORT), a Fundacentro*, com o apoio das confederações de trabalhadores da alimentação do Brasil (CONTAC/ CUT-CNTA), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Rel UITA, organizou um encontro híbrido para analisar o estado das doenças profissionais com foco na indústria de carne.
Amalia Antúnez
6 | 3 | 2025

Foto: Fundacentro
Sob o lema "Frigoríficos: ontem, hoje e perspectivas", um painel de especialistas e sindicalistas avaliou os avanços da NR36, norma que regula o setor de abate e processamento de carne e seus derivados, a luta sindical para manter padrões mínimos de saúde e segurança, e o futuro imediato de uma indústria que continua massacrando trabalhadores e trabalhadoras.
Roberto Ruiz, médico do trabalho responsável pelo departamento de Saúde da Rel UITA, Célio Elías, ex-líder sindical e atual vereador, Artur Bueno de Camargo, presidente da CNTA, Leomar Daroncho, procurador do MPT, e Thaís de Carvalho, fisioterapeuta e ergonomista da Fundacentro, completaram o painel, moderado pela doutora Maria Maeno, pesquisadora da Fundacentro e amiga de longa data da Rel UITA.
Os organizadores fizeram uma pausa para homenagear Siderlei Silva de Oliveira, líder sindical da CONTAC/CUT falecido em 2020, lembrando seu papel fundamental na criação da NR36 e sua defesa irrestrita dos direitos dos trabalhadores.
O doutor Ruiz fez um resumo da luta que culminou na homologação dessa importante norma em 2013, e traçou um paralelo entre a incidência de doenças profissionais no setor frigorífico antes e depois da NR36.
Os dados mais recentes indicam que, após uma queda no número de doenças nos primeiros tempos de aplicação da norma, nos últimos anos houve um aumento dos casos.
Entre outros fatores para esse crescimento estão a pandemia de Covid-19 e o baixo número de fiscais do trabalho em um governo declaradamente anti-operario, como o de Jair Bolsonaro.
Ruiz lembrou o ataque às normas reguladoras nesse período e como o movimento sindical se opôs para que a NR36 não fosse alterada como queriam os empresários do setor, amparados por Bolsonaro.
Célio Elias trouxe o depoimento de trabalhadoras que a indústria frigorífica incapacitou para sempre, destacando a necessidade constante de que os sindicatos monitorem o cumprimento da NR36.
O ex-líder sindical e atual assessor do Sindicato dos Trabalhadores da Alimentação de Criciúma e Região (SINTIACR) lembrou que, antes da NR36, os trabalhadores das indústrias avícolas sofriam com um ritmo intenso de trabalho com movimentos repetitivos, tendo que pendurar 22 frangos por minuto e desossar sete coxas no mesmo tempo.
Essa realidade mudou após a norma, entre 2013 e 2019. Atualmente, temos estatísticas desfavoráveis e isso é visto no dia a dia, no chão das fábricas e no número de trabalhadores que batem na porta do sindicato.
Artur Bueno de Camargo revisitou as dificuldades que o movimento sindical enfrentou para alcançar a NR36 e destacou a unidade de ação como fundamental para que a norma prevalecesse.
A luta para reduzir as doenças e acidentes na indústria frigorífica, em particular as fugas de amônia, que ocorrem com frequência alarmante, foi reforçada, disse.
O dirigente destacou que o movimento sindical vem trabalhando intensamente nesse aspecto, com seminários e denúncias para reverter essa realidade que afeta centenas de trabalhadores e pode ser evitada se as empresas investirem o necessário.
Leomar Daroncho destacou que a NR36 só está em vigor por causa da mobilização dos trabalhadores organizados, apesar da má imprensa que os sindicatos enfrentam no país.
O procurador avaliou que seria muito importante internacionalizar a norma, para que os consumidores e os mercados conheçam a realidade da indústria e possam pressionar as empresas a cumprirem o que está disposto na NR36.
Daroncho, que tem uma atuação destacada como procurador especializado em questões como agrotóxicos e frigoríficos, ressaltou que as LER são silenciosas, ao contrário do que pode ser um acidente com amônia, e há dificuldades em detectá-las.
Trata-se de doenças crônicas que se desenvolvem com o tempo, em contraste com a intoxicação com amônia, que é aguda e visível.
A indústria frigorífica apresenta uma sinergia de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos e ergonômicos, observou.
Entre 2012 e 2022, ocupou o terceiro lugar entre mais de 670 atividades econômicas classificadas no Brasil em termos de incidência de acidentes.
Daroncho enfatizou que esses números são baseados em registros oficiais, mas existe um alto percentual de acidentes que não são notificados.
Thaís de Carvalho apontou que os trabalhadores mais jovens são os mais afetados pelas lesões por esforço repetitivo na indústria frigorífica, por serem os que aguentam esse ritmo e esforço por mais tempo. Isso gera um grande impacto social e econômico.
Célio, em sua apresentação, já apontava que, atualmente, a mão de obra que os frigoríficos conseguem captar, pelo menos no sul do país, é a de trabalhadores migrantes.
Os brasileiros sabem que, quando as condições laborais de saúde e segurança não são controladas, isso representa quase uma sentença de invalidez para eles, afirmou.
Os especialistas concordam que o modelo de produção da indústria, que recompensa metas de produção, e o piso salarial baixo dificultam a redução dos ritmos a níveis que não apresentem riscos para os trabalhadores.
A ação deve ser coletiva, para gerar consciência nos trabalhadores e trabalhadoras e faça com que as empresas sejam punidas se exigirem jornadas extensas e ritmos insalubres.