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Nova ameaça para a Amazônia

O desmatamento químico

A aniquilação sem fumaça

Carlos Amorín

13 | 12 | 2024


Imagem: Allan McDonald – Rel UITA

Claudecy Oliveira Lemes acompanhou o piloto até a porta de sua enorme casa em estilo “country”, como definia sua esposa. O aperto de mãos selou o contrato. O piloto partiu em sua caminhonete 4x4, e Claudecy permaneceu por alguns momentos sob o imenso alpendre da varanda que cercava sua propriedade.

Ele contemplou a pradaria interminável, o gado pastando, alguns grupos de árvores dispersos aqui e ali para sombra, os estábulos, um par de grandes galpões, e, antes de buscar o frescor do ar-condicionado dentro de casa, disse a si mesmo que, sem dúvida, era um gênio.

O piloto levou as instruções, as demarcações feitas com GPS e o dinheiro para as despesas de sua tarefa: pulverizar 700 quilômetros quadrados de floresta na propriedade de Oliveira Lemes com herbicidas e pesticidas.

Não era a primeira vez que ele fazia isso. Quase todos os fazendeiros da região pediam esse serviço de tempos em tempos, há anos. Sabendo que era ilegal, cobrava um bom dinheiro.

Não há pior cego…

Por muito tempo, as imagens de satélite captadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) não foram corretamente interpretadas pelos técnicos.

Pensava-se que aquelas manchas esbranquiçadas que apareciam pouco a pouco no manto da floresta eram consequência de secas pontuais, doenças localizadas ou algum “mistério da floresta”.

Se esses funcionários tivessem agido com o devido rigor, e não de forma burocrática, teriam realizado inspeções visuais desde o início e descoberto que, após a desfolha e o subsequente secamento das árvores, os fazendeiros procediam à derrubada e substituíam a floresta por pastagem para o gado.

Trata-se de um novo método de desmatamento que, na realidade, suspeita-se que começou em 2010, embora possa ser muito anterior.

Nos últimos dez anos, o Ibama constatou o envenenamento, por meio de pulverização de herbicidas, de mais de 50 mil hectares de vegetação nativa, uma área equivalente a 47 mil campos de futebol. Foram encontrados resíduos de Glifosato, 2,4-D, Alacloro e do inseticida Carbossulfano, sendo estes dois últimos proibidos para pulverização aérea.

A gota que fura a pedra

Desde a reativação dos órgãos de controle após o desmantelamento sofrido durante a presidência de Jair Bolsonaro, o Ibama inspeciona mensalmente vários casos de desmatamento químico, método que se tornou o mais utilizado pelos grandes proprietários de terra.

Aqui e ali, como manchas de sarampo, aparecem nas fotos de satélite da floresta zonas esbranquiçadas que foram pulverizadas e envenenadas. Em alguns poucos casos, as autoridades conseguem reunir provas suficientes para iniciar uma ação judicial e, eventualmente, obter uma condenação que consiste em multas pecuniárias, podendo chegar ao embargo das propriedades.

No entanto, os poderosos fazendeiros contam com os melhores escritórios de advocacia para escapar das condenações ou, pelo menos, minimizar as perdas.

A impunidade e a falta de fiscalização são os motores desse “progresso”. Até agora, apenas 3 multas das 14 impostas por desmatamento com pesticidas foram pagas. A expectativa é que a maioria nunca será quitada.

Como regra geral no Ibama, quanto maior a multa, menores as chances de julgamento e pagamento. Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal do Paraná mostra que, entre 2008 e 2017, apenas uma em cada 28 multas acima de 170 mil dólares foi paga.

Prevê-se que esse sistema se intensifique ainda mais no futuro, pois se consolidou como viável, barato, sem consequências legais significativas e evitando os rastros evidentes das queimadas.

Fontes: Repórter Brasil, Agência Pública, New York Times e fontes próprias.