Com Bert Schouwenburg
O experiente dirigente sindical britânico, de passagem por Montevidéu, analisou com La Rel o crescente giro em direção à extrema direita que o continente europeu vem testemunhando.
Amalia Antúnez
26 | 3 | 2024
Bert Schouwenburg | Foto: Daniel García
Schouwenburg integrou por muitos anos o sindicato GMB e é membro da EUROBAN, uma rede de organizações da sociedade civil europeia coordenada pelo Banana Link, que trabalha em colaboração com organizações da sociedade civil e sindicatos de outros continentes para promover o comércio de frutas tropicais socialmente justas, economicamente viáveis e ambientalmente sustentáveis.
Durante sua visita à capital do Uruguai, ele esteve na sede da Secretaria Regional e analisou, a partir de sua perspectiva de sindicalista e militante social, o atual contexto europeu e apresentou os grandes desafios do movimento trabalhista em um mundo onde a velocidade da informação, impulsionada pelos interesses do poderoso capital, tem causado estragos.
“Nem todos os países da Europa estão na mesma situação. Na Inglaterra, o governo é de direita conservadora mas não de extrema-direita. No entanto, há uma tolerância em acreditar que todos os problemas econômicos e sociais que temos são devido aos estrangeiros que vêm viver no Reino Unido”, aponta.
“Há uma recusa em aceitar que os problemas que enfrentamos atualmente são resultado de décadas de políticas neoliberais que remontam ao final dos anos 70, durante os governos de Margaret Thatcher (1979-1990), quando vários serviços foram privatizados”, lembra.
Segundo Schouwenburg, os impactos dos cortes ao Estado de bem-estar social da época da Dama de Ferro persistem até hoje, como pode ser visto na questão do acesso à moradia pelas camadas populares e no enfraquecimento das organizações sindicais.
“Ao transferir milhões de moradias do Estado para o capital especulativo privado durante seu primeiro mandato, Thatcher tornou a aquisição da casa própria algo extremamente difícil para a grande maioria da população”, explicou.Além disso, o custo dos aluguéis em Londres é astronômico e há muitas pessoas que vivem em quartos alugados, ou jovens adultos que continuam morando com seus pais.
“Você não pode adquirir uma casa própria a menos que seja através de hipotecas caríssimas. Uma porcentagem altíssima da juventude não consegue comprar uma casa”, informou.
Isso também levou a grande maioria dos trabalhadores sindicalizados a pensarem mil vezes antes de fazer greves ou paralisações, com medo de arriscar sua fonte de renda.
Sobre a guinada à extrema-direita em países da região, como a Itália e a Suécia, e o crescimento constante de partidos e movimentos associados ao pós-fascismo na França e na Espanha, juntamente com suas reproduções na América Latina, Schouwenburg avaliou que a história se repete com algumas variações sutis.
“Os meios de comunicação de massa a serviço do poder sempre tiveram seu papel de influência sobre as massas. Agora, eles se tornaram mais instantâneos devido aos múltiplos avanços das tecnologias de informação, mas ainda são utilizados e controlados pelo establishment”.
Na Inglaterra, assim como em outras partes da Europa, a cultura da participação está em decadência.
Agora as campanhas e mobilizações são feitas através das redes sociais, no conforto do sofá da sua casa.
“Após a pandemia de Covid-19, ousaria afirmar que isso piorou, pois muitas pessoas permanecem trabalhando remotamente. Isso tem sido vantajoso para as empresas, que além de reduzir custos, veem facilidades para controlar os funcionários”.
“Este é um dos grandes desafios que enfrentamos como movimento sindical: a organização dos trabalhadores e das trabalhadoras que realizam suas atividades em regime de home office, e o outro é o rápido avanço da inteligência artificial que está eliminando milhares de postos de trabalho pelo mundo”.
“Enquanto permanecermos no sistema capitalista, cujo princípio fundamental é o lucro, esse rumo não mudará”.
Qual é a solução, então? Recuperar o militante, elevar a consciência de classe.Thomas Mann dizia, já no século XIX, que um sindicato deve ser uma organização política, ter um braço na comunidade em que está inserido e lutar pela abolição das práticas capitalistas.
“Creio que essa ideia está muito vigente, mas os sindicatos estão muito focados em uma abordagem economicista, alinhada ao sistema”, alertou Schouwenburg.
“É preciso quebrar esse padrão e acredito que há ventos de mudança porque nas últimas greves realizadas na Inglaterra, os grevistas obtiveram o apoio da população, algo que não acontecia há muito tempo”.
“Há luz no fim do túnel... e não é um trem”, concluiu.