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Agrotóxicos, uma especialidade brasileira

O chiqueiro do mundo

O Brasil é o país que mais utiliza agrotóxicos no mundo, superando até mesmo duas potências gigantes como Estados Unidos e China somadas.

Daniel Gatti

16 | 2 | 2024


Imagem: Allan McDonald

Segundo um relatório recém-publicado pela FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), em 2021 o Brasil aplicou quase 720.000 toneladas desses venenos em seus campos, em comparação com 457.000 toneladas nos Estados Unidos (o país que o segue nesta escala de horror ambiental), seguidos da China, com 244.000 toneladas.

A progressão foi brutal: em 31 anos, o consumo de agrotóxicos no país continental da América Latina aumentou 1.300%. Em 1990, eram “apenas” 51.100 toneladas.

Calculando por superfície, o Brasil utilizou 10,9 quilos de agrotóxicos por hectare, enquanto os Estados Unidos utilizaram 2,85 e a China 1,9. Em relação à população, o Brasil aplicou 3,31 quilos por pessoa, os Estados Unidos 1,36 e a China 0,17.

O país sul-americano também está entre os maiores importadores mundiais de agrotóxicos. Em 2022, de acordo com estatísticas do Instituto de Meio Ambiente e Recursos Naturais, o Brasil liderou nesse aspecto, com 283.000 toneladas.

De quem é a culpa?

O responsável por esse fenômeno tem sido o desenvolvimento de um modelo produtivo dependente de agrotóxicos, afirmou Gerson Teixeira, diretor da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), à publicação Brasil de Fato.

Ele destacou que são as necessidades do agronegócio que ditam o ritmo, e não as da população.

Pelo contrário, a população tem sido prejudicada por este modelo em todos os aspectos, começando pela saúde.

Um documento publicado em 2022 pela filial europeia dos Amigos da Terra indica que, como consequência do aumento do uso de agrotóxicos, no Brasil uma pessoa morre a cada dois dias vítima de intoxicações de diversos tipos.

20 por cento dos falecidos têm menos de 19 anos.

Teixeira destacou que a opção por um modelo de produção agropecuária voltado para o mercado externo levou o Brasil a depender cada vez mais dos pacotes tecnológicos utilizados para obter maiores rendimentos.

Para Larissa Bombardi, professora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo, “o meio ambiente também sofre as consequências desse modelo produtivo, que promove a depredação dos ecossistemas”.

Luiz Marques, professor do departamento de História da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autor do livro “Capitalismo y colapso ambiental”, afirmou o mesmo. Para ele, o “modelo agrícola voltado para a exportação tem forte impacto, pois colabora com a destruição da vegetação nativa brasileira, tanto na região amazônica como em outros biomas”.

Hoje, o Brasil é o segundo maior exportador do mundo de produtos agrícolas, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. No entanto, essa colocação beneficia muito mais as empresas voltadas para o agronegócio do que os consumidores brasileiros e os trabalhadores do setor.

O símbolo

A soja tornou-se símbolo desse modelo. Atualmente, a a soja é quase totalmente transgênica, ou seja, geneticamente modificada.

As plantações da oleaginosa ocupam atualmente no Brasil uma área dez vezes maior que toda a área urbana do país, de acordo com o MapBiomas, uma iniciativa colaborativa do Observatório do Clima do Brasil que reúne universidades, ONGs e algumas empresas.

“A agricultura brasileira acreditava que a soja transgênica reduziria a necessidade desses pesticidas e fertilizantes. No entanto, aconteceu exatamente o contrário: aumentou a necessidade de ambos serem usados”, enfatizou o engenheiro agrônomo da ABRA.

Cúmplices

Bombardi também destacou a cumplicidade das transnacionais, principalmente europeias, com este modelo.

Empresas como a Bayer e a Basf “trabalham em conjunto com o agronegócio brasileiro para disseminar esses venenos no campo” do Brasil, escreveu a pesquisadora, lembrando que um terço da produção mundial de agrotóxicos ocorre na União Europeia e que, em grande proporção, são exportados, por estarem proibidos de serem utilizados na própria UE.

Dos 10 agrotóxicos mais utilizados no Brasil, a metade está proibida na União Europeia. Lá 269 produtos desse tipo estão proibidos de serem comercializados,  devido aos comprovados danos causados na saúde das pessoas. Entretanto, desses 269 produtos proibidos pela UE, 239 estão liberados no Brasil.