Com Jair Krischke, sobre os 50 anos do golpe no Uruguai
Em 27 de junho, o Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH) realizou um ato em memória dos 50 anos do golpe de Estado cívico-militar no Uruguai.
Gerardo Iglesias
14 | 07 | 2023
Jair Krischke | Foto: Gerardo Iglesias
O ato em memória, intitulado “Terrorismo de Estado nunca mais”, foi realizado em um edifício histórico em Porto Alegre, onde atualmente está localizada a seção do Instituto de Arquitetos do Brasil, no Rio Grande do Sul.
“O evento estava lotado”, relatou Jair Krischke, presidente do MJDH.
“Houve apresentações artísticas, especialmente de candombe, e três palestras, uma ministrada pelo doutor em História e professor Daniel Augusto, sobre o pré-golpe, outra ministrada pela professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Florencia Cladera, e outra ministrada por mim, na qual falei sobre o golpe e a resistência.”
Também foi projetado, no início do evento, o documentário “A las cinco en punto” de José Pedro Charlo e Universindo Rodríguez, que apresenta depoimentos e imagens dos quinze dias de greve geral organizada pela central sindical CNT (hoje PIT-CNT), após o golpe de 27 de junho de 1973.
O título do documentário faz referência à hora em que foi convocada, em 9 de julho daquele ano, a manifestação relâmpago mais significativa em apoio à greve.
“Minha apresentação se centrou em revelar a atuação da ditadura brasileira no golpe de 1973 no Uruguai, algo pouco discutido”, apontou Jair.
“Acompanhei os dados com documentos históricos que os corroboram, e por último foi a vez da Florencia Cladera, filha do exílio, um exílio que começou em Buenos Aires e continuou na França. Florencia vive agora em Porto Alegre e é professora na UFRGS".
A intervenção de Cladera, relatou Jair, teve um grande impacto entre os presentes, especialmente quando ela contou que, estando em Paris, seus coleguinhas da escola falavam sobre seus avós e ela não sabia o que era ter um avô.
“Essa é uma das principais marcas do exílio, quando cortam suas raízes. Depois vem o desexílio, também muito problemático, porque você nunca, nunca volta para o mesmo lugar. É como um rio onde a água corre, mas nunca será a mesma.”
A comunidade de uruguaios em Porto Alegre, já tendo sido numerosa, hoje está bastante reduzida, indicou Jair, que, apesar de tudo, se reencontrou com amigos que não via há muito tempo.
“Encerramos a atividade com a convicção de que devemos continuar gerando memória, para a história ser contada pelos protagonistas e não pelos historiadores. Devemos contar exatamente o que aconteceu, indo além das palavras frias do texto histórico, focando-nos no que isso representou e representa para aqueles que viveram os acontecimentos.”
Jair destacou que o ato ocorreu porque os brasileiros também têm uma grande dívida com o povo uruguaio. Após o golpe de 1964, o Uruguai acolheu mais de 5.000 brasileiros exilados, incluindo líderes sindicais e estudantis, políticos de destaque como Leonel Brizola, e até mesmo o presidente João Goulart, deposto pelo golpe militar.
No ato, também foi exibido o filme “Estado de Sítio”, de Costa-Gavras, que aborda o período anterior ao golpe no Uruguai.
Em uma das cenas, que retrata as aulas magistrais de tortura ministradas pelo agente da CIA Dan Mitrione em Montevidéu, é possível ver ao fundo a bandeira do Brasil.
“A imagem denuncia a participação brasileira nos golpes de Estado durante a década de 70 no Cone Sul da América e posteriormente na Operação Condor”, comenta o ativista brasileiro Jair.
Mitrione chegou ao Uruguai vindo precisamente do Brasil, de onde trouxe o pau de arara, uma grande contribuição local para o arsenal mundial de técnicas de tortura, herança da escravidão. *
O veterano Jair Krischke lembra que Eduardo Galeano dizia em um de seus livros que Mitrione descrevia a tortura como uma arte.
Galeano, escritor uruguaio, botou na boca do agente da CIA as seguintes palavras: “A chave para um interrogatório bem-sucedido era aplicar a dor precisa, no lugar preciso e na quantidade precisa para obter o efeito desejado. Uma morte prematura significa uma falha do técnico. É necessário agir com a eficiência e a limpeza de um cirurgião e com a perfeição de um artista.
Quando você consegue o que quer, e eu sempre consigo, pode ser bom prolongar um pouco a sessão para aplicar outra forma de abrandamento, não para extrair informações agora, mas apenas como uma medida política, para criar um medo saudável”.
O militante humanitário Jair acredita que Costa-Gavras deveria ter incluído nos créditos de seu filme o nome do Comissário de Polícia Miguel Ángel Benítez, um militante tupamaro que forneceu ao cineasta todas essas informações.
“Como Costa-Gravas não fez isso, eu conto para que a história dê a Miguel Ángel Benítez o lugar que ele merece”.
Em 11 de setembro próximo, o MJDH e a Rel UITA realizarão uma atividade semelhante para trazer à memória os 50 anos do golpe de Estado no Chile.