Transgênicos mais glifosato
Na atual polêmica entre proibir ou não a semente de milho transgênica, bem como a de eliminar gradualmente o glifosato, o herbicida cancerígeno em cena neste debate, perde-se de vista o que está em jogo, isto é, o impasse entre três maneiras de gerar alimentos no mundo: a tradicional ou camponesa, a agroindustrial ou moderna e a agroecológica.
Víctor Toledo
21 | 03 | 2023

Hoje, busca-se regular ou suprimir os enormes impactos negativos da agroindústria. Ofereço aqui uma breve síntese do que T. Kimbrell chamou de “tragédia da agricultura industrial”.
Os notáveis avanços conquistados durante as primeiras décadas do século XX na química dos solos, na genética e na criação de máquinas movidas a petróleo, foram desenhando um novo modelo de agricultura que superava a produtividade dos sistemas tradicionais.
Estes avanços terminaram criando uma modalidade baseada em monoculturas extensivas, que utilizam variedades genéticas melhoradas (híbridos), fertilização química, não orgânica, pesticidas dos mais variados (porque a monocultura é foco de pragas, parasitas e predadores), como herbicidas, inseticidas e fungicidas, além do uso de máquinas (como os tratores e as bombas de extração de água).
Para este sistema obter um lucro grande, precisa de superfícies de centenas de hectares, daí as grandes concentrações de terra (os latifúndios), como ocorre na maior parte do mundo.
Há muito tempo, esta agricultura industrial parecia uma solução milagrosa para um mundo em rápido crescimento, pois prometia reduzir a fome, satisfazer as populações e estimular a prosperidade econômica.
Entretanto, após várias décadas, os impactos ambientais, sociais e culturais foram sendo revelados, fazendo desta uma opção inviável para um mundo marcado pela desigualdade social, por problemas de saúde e por esta crise ambiental e ecológica.
Este modelo foi ainda mais questionado após a chegada das plantações transgênicas, com seus impactos sobre a saúde humana e ambiental.
O modelo agroindustrial está dominado por monopólios agroalimentares, encabeçados por seis gigantes, fornecedores dos principais insumos (máquinas, sementes, agrotóxicos, fertilizantes químicos e organismos geneticamente modificados).
Os corporativismos pressionam os governos para legislarem a favor de seus interesses e para evitarem quaisquer reformas que visem a reduzir ou a tocar em seus lucros.
O modelo agroindustrial gera severos impactos ao ambiente, pois não só contamina o ar, a terra, os rios, lagos e mares, devido à pulverização de agrotóxicos, como também afeta a vida das plantas, dos animais, incentiva o desmatamento, reduz a variabilidade genética das culturas e usa enormes quantidades de energia fóssil.
Estima-se que sejam necessárias umas 10 calorias de energia fóssil para produzir uma só caloria de alimento!
Para aumentar a tragédia, a agricultura industrial gera a maior destruição de biodiversidade do mundo.
As monoculturas transgênicas (soja, milho, algodão, canola), ocupam já 190 milhões de hectares (superfície similar à do México), e na América do Sul, com a maior riqueza biológica do planeta, as monoculturas ocupam cerca de 80 milhões de hectares, indo do norte do Brasil até o sul da Argentina, passando pelo Paraguai, a Bolívia e o Uruguai.
Por outro lado, existe o consenso de que a emergência climática é a maior ameaça para a segurança alimentar mundial e que, por outro lado, o sistema agroindustrial é um dos principais causadores da emergência climática. Um perverso dilema.
A crise climática impacta em graus diferentes a produção de alimentos, obrigando agricultores, pecuaristas, pescadores e aquicultores a adotar medidas de emergência.
Aqui o fenômeno do degelo é o mais preocupante, porque é graças à neve que os rios são abastecidos de água, base da agricultura por irrigação, a de maior produtividade.
Porém, a modalidade agroindustrial emite de 25 a 40 por cento dos gases de efeito estufa (bióxido de carbono, óxido nitroso e metano).
As monoculturas, os fertilizantes químicos, as máquinas pesadas e outras tecnologias dependentes do petróleo contribuem em grande parte, mas também precisamos considerar o transporte e a transformação dos alimentos pelo excessivo uso de embalagens, processamentos e refrigerações, para transportá-los por grandes distâncias.
Dado pouco conhecido: a produção industrial de alimentos se baseia na especialização, onde uma cultura de sucesso é a que alcança grande margem de lucro (agronegócios). Por isso, a parcela se transforma em um “andar da fábrica”.
Esta modalidade cobre 75 por cento da área agrícola global, nas mãos de apenas 8 por cento dos proprietários!
Os outros 25 por cento são fruto do trabalho de agricultores tradicionais (camponeses), representando 92 por cento dos produtores e que, segundo a FAO, são os que geram a maior parte dos alimentos no mundo.
(Publicado en La Jornada, México. Los intertítulos son de La Rel)