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Produtores de vinho utilizam um inseticida proibido e matam milhares de abelhas

Uma matança de abelhas que podia ter sido evitada

O uso de fipronil, um inseticida proibido desde 2019, está na origem da mortandade de abelhas em 200 unidades produtivas de uma dezena de apiários uruguaios.

Daniel Gatti

13 | 02 | 2023


Foto: Rel UITA

A denúncia da contaminação foi formulada em outubro pelos produtores apícolas do departamento de Canelones, e nesta semana soube-se que a responsável foi uma adega, Rosés Hermanos, cujos proprietários negaram acesso aos seus vinhedos aos funcionários do Ministério da Pecuária e Agricultura (MGAP)

As inspeções nessa adega tiveram que ser feitas por ordem judicial. Os funcionários do MGAP comprovaram que Rosés Hermanos estava usando fipronil.

Intoxicações similares tinham sido denunciadas e constatadas já em 2021, quando produtores apícolas perderam mais de 600 colmeias, dizimadas também pelo fipronil.

Os produtores de vinho da região sabem que não podem utilizar este tipo de produtos, mas igualmente o fazem poque as multas impostas pelo Ministério não são suficientemente altas para dissuadi-los, disse ao jornal La Diaria, Estela Santos.

Santos é pesquisadora do Laboratório de Entomologia e Etologia da Faculdade de Ciências da Universidade da República, mas também é apicultura e integrante do Grupo Apícola Villanueva.

Um problema ambiental grave

“Não é só um dano para o apicultor, é muito mais grave do que isso. O apicultor percebe que houve um problema com a sua colmeia, mas o que ele está avisando é que estão morrendo todos os insetos que estiverem nesse terreno. Por exemplo, as vespas, que são controladores biológicos; ninguém está observando, ninguém mede, ninguém comenta. Realmente há um problema ambiental”.

Alguns dos apicultores prejudicados em outubro (Santos está entre eles) vivem unicamente da produção de mel, portanto obviamente foram altamente prejudicados economicamente devido à contaminação.

“Cuidamos durante um ano inteiro da colmeia para ela se manter viva, para nos dar o seu mel uma vez por ano, na primavera ou no verão, que é quando há muitas flores e as abelhas trabalham sobre elas. Perdemos toda a colheita, economicamente não ganhamos nada”, denunciou.

A estiagem, que está intensa em todo o Cone Sul da América Latina contribuiu para que não pudessem recuperar a totalidade das 200 unidades produtivas que perderam.

Nenhum dos produtores afetados foi indenizado.

Mesmo diante de todas as dificuldades, os apicultores não estão dispostos a abandonar sua atividade, como muitos lhes aconselham, resignados a que “não se pode” fazer nada contra os outros produtores que “não sabem ou não querem trabalhar com boas práticas, para que ninguém se veja prejudicado”, disse Santos.

“É inaudito que esses produtores ainda continuem optando por práticas que não são amigáveis com o ambiente, que não são amigáveis com outros meios de produção”, concluiu.

Dos mais letais

O fipronil é um dos agrotóxicos mais letais para as abelhas, assim como para os peixes e as aves.

Em muitos países está proibido, mas em outros se usa habitualmente no tratamento da produção de soja, de cana de açúcar, de mandioca. No Uruguai está proibido há quase 15 anos, mas ainda é usado, fundamentalmente nos campos de soja, diante da ausência de controles ou às irrisórias sanções aplicadas.

Em 2021, na Costa Rica, e em 2022, em alguns estados do Brasil, foram formulados pedidos para proibir este inseticida.

A Câmara Nacional de Fomento da Apicultura (CNFA) da Costa Rica apresentou ao governo central desse país um pedido para deixar de fabricar, importar, armazenar e comercializar qualquer produto que contenha esse princípio ativo, idem para o transporte, empacotamento, embalagem, promoção, manipulação e mistura, com o cancelamento do registro.

“Não podemos permitir que continue intoxicando as abelhas um produto que já foi proibido em muitos países”, disse naquele momento para a Rel, Juan Bautista Alvarado, presidente da CNFA.

Em 2020, foram registradas na Costa Rica, umas 30 denúncias de intoxicação em grande escala de abelhas, matando por dia 250 mil abelhas aproximadamente, levando a um total de cerca de 3 milhões de abelhas mortas.

O Serviço Nacional de Saúde Animal (SENASA) concluiu que em nove de cada 10 amostras realizadas, após esses casos de contaminação, a molécula que se encontrou nas abelhas mortas foi a do Fipronil.

Nuvens de veneno

É importante considerar que a Costa Rica tem uma altíssima população de abelhas (mais de 4 por cento do total mundial).

“Vivemos sob uma nuvem de veneno e isto não pode ser mais permitido. Devemos migrar para outro sistema, outro modelo de desenvolvimento sustentável e integral”, disse também Alvarado

No Brasil, a Assembleia Legislativa do Paraná começou, no ano passado, a estudar um projeto de lei para proibir a aplicação do fipronil.

Tanto no Paraná, como em outros estados do Brasil, como Santa Catarina, fortes produtores de mel, foi comprovado que a alta mortandade de abelhas constatada nos últimos anos se deve ao uso de agrotóxicos, especialmente o fipronil.

Santa Catarina é o terceiro maior produtor de mel do Brasil, sendo o estado que mais exporta, principalmente para os Estados Unidos e a Europa, já que são produtos também orgânicos, certificados.

Para os apicultores, perder estes mercados pode significar a ruína. Para a humanidade, perder as abelhas pode significar uma catástrofe ambiental da que ainda não se conhece a real dimensão de suas consequências.