Com Ricardo García, faltando muito pouco para o segundo turno
Procurador do Ministério Público do Trabalho até 2019, Ricardo Garcia possui vasta experiência no setor frigorífico brasileiro. Foi um firme defensor da Norma Regulamentadora 36 (NR-36), cuja aplicação melhorou consideravelmente as condições de trabalho na indústria das carnes, mas que o governo de Jair Bolsonaro pretende flexibilizar. Nesta entrevista, Ricardo Garcia, em sua residência em Portugal, nos mostra o que implicaria uma possível continuação do ex-militar de extrema-direita no poder.
Gerardo Iglesias
27 | 10 | 2022
Ricardo García | Foto: Gerardo Iglesias
-Você trabalhou muito no setor frigorífico. Sendo assim, você poderia analisar e avaliar o impacto da NR-36 para esse setor?
-Sim. Eu tenho uma ideia muito clara disso. Começamos a trabalhar na fiscalização desse setor em 2006, na região da Serra Gaúcha, até 2010 e em 2012 conseguimos ampliar para todo o estado do Rio Grande do Sul.
Em 2013, a NR-36 foi aprovada e foi dado um prazo para as empresas frigoríficas se adequarem à nova normativa. Durante esse período, demos uma pausa nas fiscalizações até a norma entrar em vigor.
A partir de então, voltamos a fiscalizar e percebemos o seguinte: que a realidade dos frigoríficos não mudou em nada com a norma. O que a NR36 realmente mudou foi o fato de, a partir dela, contarmos com instrumentos jurídicos para exigir das empresas melhores condições de saúde e de segurança para os trabalhadores.
Aliás, a NR36 foi elaborada e redigida com a participação do governo, dos empresários e dos trabalhadores, sendo assim ninguém poderia alegar ter nada contra ela.
Estive nessa tarefa por seis anos, de 2013 a 2018. Naquele período, todas as fiscalizações do MPT detectaram irregularidades nos frigoríficos, levando ao fechamento parcial ou total de várias unidades de produção.
A grande contribuição da NR36 foi dar ao Estado instrumentos para agir.
Após dois ou três anos de aplicação da norma, os avanços foram significativos, principalmente nos estabelecimentos que haviam sido interditados.
A NR36 nos permitiu avançar na segurança das máquinas, principalmente das esteiras, proteção em equipamentos com partes móveis e rotativas, das instalações elétricas, na ergonomia e na introdução de freios.
Os fisioterapeutas nos informaram que as pausas (psicofisiológicas) reduziram o absenteísmo, o que resultou em melhor qualidade de vida para o trabalhador, sua família, gerando também menores custos para o empregador. Apesar disso, os empresários são contra as pausas.
-Qual é o cenário que você imagina se Bolsonaro vencer no próximo domingo?
-É preciso contextualizar. Bolsonaro era um deputado sem muita formação. Um político tosco. Ao assumir a presidência, ele subiu de patamar e passou a abraçar cada vez mais as ideias fascistas. Atitudes antes intuitivas em seu comportamento, passaram a ser mais elaboradas. Ele começou a se cercar de indivíduos com uma clara convicção fascista e nazista.
Há estudos que demonstram que o governo Bolsonaro tem grandes pontos de contato com o governo nazista alemão.
Hoje em dia ele representa um perigo muito maior do que quando assumiu a presidência há quatro anos, porque tem uma estrutura de poder mais organizada e conseguiu exaltar o que há de pior na sociedade brasileira.
Todos aqueles fascistas que estavam escondidos saíram dos porões durante seu governo, e é por isso que vemos a repetição de ataques e de violência contra todos aqueles que pensam de maneira diferente, ou contra mulheres, índios e negros.
No governo Bolsonaro, os donos do agronegócio e os garimpeiros tiveram carta branca para intensificar a violência. A expansão desses grupos pela Amazônia gerou rompantes de violência jamais vistos. Os assassinatos de lideranças indígenas, sindicais e camponesas triplicaram no governo Bolsonaro.
De acordo com um estudo sociológico recente, 12% das pessoas que votam nesse homem são fascistas, e esse é o núcleo rígido de seu eleitorado.
Bolsonaro sistematizou o desejo da classe média de se aproximar da burguesia, pois lhes vende a ilusão de que estão longe da classe trabalhadora. Essas pessoas acreditaram no seu discurso.
Os bolsonaristas têm uma invejável unidade de pensamento, ideológica e de ação. Assim que surge algo novo, eles se organizam com seus bots - nas redes sociais - para atacar e fazer as pessoas acreditarem neles.
Eles sentem que têm o direito de definir o que é constitucional e o que não é, dando a entender que só quando o Supremo Tribunal está em sintonia com o que eles pensam é que ele está correto.
-Se ele ganhar, atacará ainda mais o movimento trabalhista...
-A continuidade do governo Bolsonaro significará o desmantelamento de todo o Aparelho Estatal de proteção social, legislativa e operacional, bem como dos convênios coletivos.
Significará a desarticulação e a revisão para pior das Normas Regulamentadoras, uma conquista da sociedade que exigiu décadas de construção política e social.
Um panorama desolador.