Aurelio González, fotógrafo
O fotógrafo Aurelio González recebeu o troféu do 38º Prêmio de Jornalismo em Direitos Humanos na última sexta-feira, 2, na sala que leva seu nome na Escola de Fotografia Aquelarre, em reconhecimento à sua extensa trajetória.
Amalia Antúnez
09 | 09 | 2022
Afonso Licks e Aurelio González | Foto: Gerardo Iglesias
O prêmio é concedido anualmente pelo Movimento Justiça e Direitos Humanos (MJDH), pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS), pela Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Rio Grande do Sul (ARFOC-RS), pela Caixa de Assistência dos Advogados do RS (CAA/RS) e pela Regional Latino-Americana da União Internacional dos Trabalhadores da Alimentação (Rel UITA).
Afonso Licks, secretário do MJDH, foi o responsável pela entrega do prêmio a Aurélio, premiado nessa última edição por sua importante trajetória.
Licks mencionou as palavras de Jair Krischke, presidente do MJDH, ao anunciar a entrega do prêmio em dezembro de 2021:
"Aurelio González, fotógrafo militante, é a personalidade homenageada com o 38º Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo, por sua longa atividade registrando a história de um povo, pela sua luta contra a intolerância militar; por sua perspicácia e sensibilidade ao esconder dos militares os registros de parte da história do Uruguai; e por sua longa atividade registrando pessoas, assim como pela sua genialidade na hora de resgatar um grande acervo; e, sobretudo, pela defesa da liberdade de imprensa, que é em si a própria defesa da democracia”.
Em julho de 1973, Aurélio escondeu milhares de negativos que continham imagens de mobilizações populares e estudantis, de greves em fábricas, da repressão nas décadas de 1960 e 1970 até o golpe de Estado, e imagens também de alguns anos depois.
Ele nasceu em 1930 em Marrocos, de pais espanhóis.
“Cheguei a Montevidéu em 14 de novembro de 1952 por acaso, como resultado de uma travessura que fiz. Cheguei no dia em que fiz 22 anos. Certa vez, uma revista soviética publicou um artigo sobre mim onde dizia que eu tinha nascido no Uruguai, então agora em vez de ter 91 anos, tenho 71”, brincou Aurélio após ser presenteado com o troféu – uma escultura do artista uruguaio Mario Cladera- que ergueu animado e feliz.
Aurelio agradeceu aos presentes pela homenagem e relembrou suas aventuras como fotojornalista nos anos anteriores ao golpe de Estado no Uruguai, assim como seu exílio e retorno.
“Foram anos intensos. Lembro-me de percorrer as fábricas. Quando tive que ir à Bella Unión para registrar a luta dos produtores de beterraba, os operários me camuflavam para poder entrar com a câmera escondida.”
"Era uma aventura", diz ele, e seus olhos se iluminam com as lembranças.
“Hoje posso dizer a vocês que fui um privilegiado. Posso dizer com todas as letras: agradeço à vida por ter me dado a oportunidade de estar nesse lado da história.
Em 1976, Aurelio se exilou, deixando 48.626 negativos escondidos no prédio Lapido, onde ficava a sede do jornal comunista El Popular, para o qual trabalhava em Montevidéu.
“Quando voltei do exílio, o prédio não era mais como quando saí, tinham reformado tudo. Felizmente, um operário solidário, que encontrou o material, voltou a escondê-lo quando policiais à paisana foram até a obra avisá-los de que se encontrassem algo, deveriam entregá-lo”, diz.
Mas em vez disso, os operários jogaram todo o material em um duto no prédio, um lugar quase inacessível. Anos depois, em uma homenagem que prestaram a Aurélio na prefeitura de Montevidéu, apareceu um rapaz, que disse saber onde estavam as latas com os negativos.
“Acontece que esse rapaz, que se chama Quique, quando os trabalhadores esconderam as latas no duto de ventilação, ele era criança, e como qualquer criança travessa, conseguiu entrar naqueles dutos onde as latas estavam escondidas”, explica Aurelio.
Em 31 de janeiro de 2006, quando os negativos apareceram, eles perceberam que era muito difícil resgatá-los, porque foram parar no túnel de ventilação, bem lá embaixo.
“Para tirá-los de lá usamos tecnologia de ponta: um barbante que tinha um imã na ponta e assim fomos subindo as latas. Confesso que quando peguei a primeira lata senti uma emoção muito forte. Lembro como eu tremia na hora", disse ele.
Aurelio conta que as latas outrora brilhantes saíram completamente enferrujadas, mas foi esse fator que fez com que as tampas ficassem seladas, protegendo o material por 34 anos, um acontecimento que o fotógrafo descreve como mágico.
Para ele, o mais importante do resgate das fotos é saber que graças a essas latas os jovens podem estudar a nossa história recente nas salas de aula, agora também em imagens.
“Ver o que aconteceu aqui no Uruguai naqueles anos tão difíceis, mas tão combativos, com um movimento operário que não se curvou jamais, e que criou a CNT, onde surgiram as forças políticas como a Frente Esquerda, a Unidade Popular e a Frente Ampla. Esse registro não tem preço.”
“Agradeço ao Movimento por Justiça e Direitos Humanos de Porto Alegre, ao meu amigo Jair Krischke por esta homenagem e agradeço a todos que aqui estiveram presentes”, concluiu sob uma chuva de aplausos calorosos.