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Com Adenilson de Souza Dias
As pandemias dos frigoríficos
Adenilson é o presidente do Sindicato da Indústria da Alimentação de Carazinho/Sarandí, região onde predomina a pecuária e o cultivo de trigo. Disposto ao diálogo, principalmente quando participa de uma roda de chimarrão, sua conversa flui animada na sala do sindicato, que na caída da tarde
ganha uma luz especial.
Gerardo Iglesias
28 | 07 | 2022
Adenilson de Souza Dias | Foto: Gerardo Iglesias
-Você falou sobre o trabalho das mulheres nos frigoríficos e nos comentou que o máximo que elas aguentam são cinco anos. Por que isso acontece?
-Registramos cerca de 55% de mulheres nas linhas de produção dos frigoríficos. São quase nove horas de intensa jornada de trabalho, para depois elas ainda fazerem as tarefas domésticas, cuidarem dos filhos, e assim por diante. É muita pressão e desgaste físico.
O ritmo acelerado de trabalho, somado às demais condições típicas do setor (frio, umidade), além dos movimentos repetitivos, fazem com que a maioria delas sofra de tendinite e de outras doenças musculoesqueléticas.
Trabalhei 23 anos em um frigorífico e sei por experiência direta o quanto as companheiras sofrem e isso não é de hoje.
-O ritmo era tão intenso assim quando você começou a trabalhar?
-Sempre foi difícil, mas nos últimos anos a intensidade aumentou, sendo a pandemia um fator que contribuiu para isso.
As empresas frigoríficas que viram sua mão-de-obra reduzida por medidas sanitárias ou pelo acúmulo de pessoas que contraíam Covid, perceberam que mesmo com menos trabalhadores nas linhas de produção, era possível produzir os mesmos volumes.
Ao perceberem que era possível chegar à mesma quantidade com menos trabalhadores e trabalhadoras, começaram a pressionar ao máximo. E, claro, não lhes importava que o ritmo extenuante prejudicasse a saúde das pessoas durante o processo.
Temos companheiras de trabalho que, após cinco ou seis anos no frigorífico, não conseguem mais pentear o cabelo, nem levantar os braços até uma certa altura devido às lesões.
Algumas deixam tudo cair, pois perderam a força nas mãos, estando sempre com dor.
-As trabalhadoras procuram o sindicato para denunciar sua situação?
-Cada vez mais. Elas vêm aqui quase todos os dias, principalmente as trabalhadoras do frigorífico Aurora. Porém, tanto esta como outras grandes empresas do setor não admitem serem as causantes dos quadros de tendinite, LER ou artrite adquiridos por suas trabalhadoras..
Aliás, as empresas têm a sua própria equipe médica. Quando um trabalhador apresenta um atestado médico externo, dando-lhe 10 dias de licença médica, o médico da empresa a reduz para dois dias. É assim que funciona.
Então os casos se agravam porque as pessoas não conseguem realizar um tratamento adequado, retornando ao trabalho antes da hora. Ou seja, voltam às linhas de produção para realizar o mesmo trabalho, com movimentos repetitivos por longas horas, ainda sentindo as lesões.
-A NR36 é respeitada dentro da Aurora?
-Em alguns aspectos sim, porque o sindicato está fiscalizando, mas é muito complicado porque a única coisa que a patronal quer é aumentar seus lucros.
-Recentemente, o governo de Jair Bolsonaro tentou flexibilizar a NR36, tirar o mais importante, que são as pausas psicofisiológicas...
-Este governo não se importa com nada que aconteça com os trabalhadores e trabalhadoras. É um governo que busca beneficiar exclusivamente aos empresários. A Norma Regulamentadora 36 é a ferramenta que nós, trabalhadores, temos para prevenir abusos e exploração dentro deste setor.
Há poucos dias recebemos a denúncia de que, em um pequeno frigorífico, os trabalhadores e as trabalhadoras eram obrigados a não parar desde sua entrada às 7 da manhã até a hora do almoço, e não podiam nem mesmo ir ao banheiro.
Se não tivéssemos a proteção dada pela NR36, esse tipo de situação quase certamente continuaria, apesar das denúncias. Agora a gente consegue ir com o sindicato para fiscalizar e enquadrar a empresa, porque somos amparados pela lei.
As pausas previstas na NR36 são necessárias para a recuperação psicofisiológica dos trabalhadores e das trabalhadoras; reduzem o risco de acidentes e de contrair doenças decorrentes de esforços repetitivos, ou do trabalho frenético.
-Por outro lado, os lucros do agronegócio não se refletem nos salários...
-Não. De fato, hoje em dia esta indústria só prospera, obtendo lucros exorbitantes, graças aos trabalhadores e às trabalhadoras. Porém não lhes é permitido levar carne à mesa, para o consumo de suas famílias, porque os seus salários são baixos e o preço dos produtos está cada vez mais alto. Assim estão as coisas por aqui.