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Com Sandra Bonetti
Os desafios da defesa ambiental em um cenário diverso e adverso
Sandra é uma jovem agricultora familiar e dirigente sindical, nascida e criada no Paraná, atualmente secretária de Meio Ambiente da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG). A conversa flui descontraidamente e Sandra deixa claro que está disposta a dar tudo de si na Secretaria onde urgência e estratégia são as faces da mesma moeda.
Gerardo Iglesias
12 | 07 | 2022
Sandra Bonetti | Foto: Gerardo Iglesias
-Como e onde você começa sua militância sindical?
-Eu nasci e me criei no Paraná, e foi lá que comecei a militar no âmbito estudantil. Eu sou graduada em Educação do Campo pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná e foi a partir daí que me inseri mais no movimento sindical.
-Sua família é de agricultores familiares?
-Sim. Somos produtores de leite. Temos uma propriedade de sete hectares ao todo, onde trabalhamos eu, meu pai e minha mãe. A produção comercial é de leite, mas também temos alguns cultivos para subsistência.
-Para onde vai essa produção leiteira?
-Nós trabalhamos com cooperativas de leite locais que a revendem. Ultimamente nós fornecemos leite para a Líder, uma cooperativa de Santa Catarina.
-Você assume a Secretaria de meio ambiente quando a questão ambiental está no foco da agenda nacional e mundial.
-Com certeza. Está no centro do debate. Nós enquanto Confederação e enquanto agricultores familiares vamos meio que entendendo nosso papel. Muitos preocupados com isso e outros sem entender tanto por que se fala de questões ambientais. Sendo o atual um cenário político e social com muitos conflitos, e como o Brasil possui uma enorme diversidade, não só de biomas mas também cultural, então a questão ambiental tem de ser abordada tendo em consideração essa diversidade, pois os desafios ambientais são diferentes.
Passam pelo mesmo lugar que a mudança climática, mas com diferentes pautas. O Sul tem uma pauta ambiental agora voltada para a seca, por exemplo, já a região norte tem pauta ambiental com foco no desmatamento, a região nordeste se preocupa pela energia eólica, e o Pantanal mato-grossense com as queimadas e os grandes projetos de hidrovias. São inúmeros os problemas que enfrentamos e o mundo está de olho no Brasil.
-Mas tenho a sensação de que a questão ambiental não foi tratada com a devida importância no meio sindical. Quando a Rel UITA começou a tocar no assunto há mais de uma década, tinha dirigentes que falavam que não era um assunto importante, estava fora da agenda sindical. Você tem essa sensação?
-Sim, mas também vejo que o movimento sindical, infelizmente, tem uma pauta imediatista, do agora, de resolver o mais urgente e geralmente gira em torno da questão econômica. Costumamos dizer que vamos apagando o fogo.
O nosso movimento sindical rural de hoje em dia é diferente do que era em sua origem porque quando foi criado tinha duas lógicas: a da organização da produção-comercialização e a da luta pelo acesso à terra.
Com o tempo a gente foi criando pautas e hoje em dia a gente vive da urgência e se perdeu um pouco esse espírito. Com a pauta ambiental está acontecendo que ela passou a ser uma urgência, então ela está na agenda neste momento.
Até aqui ela não tinha essa visibilidade. Agora a própria base sindical questiona, cobra e pergunta o que nós estamos fazendo neste sentido, quais são os caminhos para apontar. E, até então não havia essa demanda. Como as pessoas estão compreendendo que a questão ambiental tem incidência direta na economia, agora é um assunto urgente e precisa estar na agenda sindical.
Antigamente o grupo que discutia os assuntos ambientais sempre foi muito elitizado e muitas vezes nem sequer ligado ao campo.
-A situação geral é gravíssima com este governo que tem liberado como nunca agrotóxicos já banidos na Europa e nos Estados Unidos. O Brasil está importando lixo, desmatando, contaminando terra, água, o ambiente, tudo. Por onde a CONTAG está começando a trabalhar na defesa do ambiente diante deste cenário?
-Esse é um grande problema, temos urgências demais e não podemos nos focar em um só assunto, temos que olhar um pouquinho para tudo e talvez essa seja nossa maior dificuldade.
Quando se trata de agenda ambiental uma coisa leva a outra e quando paramos para pensar no modelo econômico, o jeito que o Brasil vem se comportando e como os governos têm atuado, vemos que continuamos sendo uma colônia.
A gente não tem uma visão para dentro do país, politicamente falando, que contemple a questão dos recursos ambientais, é mais ou menos assim: vamos privatizar tudo e que se dane todo mundo que vive aqui.
Esse é nosso grande desafio. A essa questão política de descaso a gente tem que somar que o Brasil é quase um continente e temos que lidar com pelo menos seis biomas diferentes, o que torna mais complexo o nosso trabalho. Não são os mesmos problemas ambientais no Paraná que em Minas Gerais ou na Amazônia, e a gente precisa articular ações para enfrentá-los ao mesmo tempo porque eles estão acontecendo simultaneamente.
-O trabalho que sua Secretaria faz não pode ser realizado sem a parceria da Secretaria de Política Agrícola ou da Secretaria da Mulher...
-No nosso planejamento na Contag a gente colocou a questão ambiental como transversal.
É muito difícil discutir sobre política agrícola sem tocar assuntos ambientais, especialmente no que refere à mudança climática. Não tem como discutir grandes projetos, acesso à terra sem tocar no assunto do desmatamento e de devastação ambiental, por exemplo.
Com relação às mulheres, não tem como trazer pautas como a de sustentabilidade sem pensar também nas questões ambientais. Então é um tema transversal que pode resultar em uma vantagem na hora de trabalhar.
-Também é assunto da Escola Nacional de Formação, não é?
-Sim. De fato, uma das pautas da Escola é a agroecologia, não só como uma prática agrícola e sim como um modo de produção e um modo de vida. As questões ambientais deveriam ser tratadas em todos os espaços dentro do nosso sistema CONTAG.
-Como você avalia esta parceria entre CONTAG, CONTAR e Rel UITA?
-É muito importante criar alianças e contatos com o resto da América Latina, construir teias e potenciar reciprocamente nosso trabalho na região.
Principalmente para nós agricultores e agricultoras familiares que estamos preocupados pelas questões ambientais e que temos que começar a debater sobre esse assunto, sem tabu. Por muito tempo a maioria dos agricultores viam as questões ambientais como inimigas da produção.
Então essa parceria tem que ter como base e como prioridade o fato de que quando a gente fala de sindicalismo a gente fala de classe trabalhadora, de luta de classe, de acesso à terra, independentemente se somos agricultores ou assalariados, no fim somos trabalhadores e trabalhadoras.
Essas parcerias nos permitem discutir como a gente vem se estruturando economicamente e como a gente pensa um projeto de sociedade e um modelo de produção humana e ambientalmente sustentável.