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VI Relatório sobre Mudanças Climáticas
Que nariz grande você tem, vovó!
Relatório sobre Mudanças Climáticas, produzido pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sua sigla em inglês) das Nações Unidas, foi finalmente publicado no início de abril. Debaixo da pedra, ou detrás do bosque de advertências, um implacável choque de interesses.
Carlos Amorín
26 | 04 | 2022
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Imagem: Ángel Boligan- Carton Club
A elaboração deste resumo do relatório destinado aos governos do mundo precisou reunir durante duas semanas 400 pessoas, entre representantes governamentais de quase 200 países e um grupo de cientistas que preparou o referido Relatório, trabalho em que participaram 278 especialistas que analisaram tudo o que foi publicado nos últimos anos relacionado com as mudanças climáticas.
Na síntese deste Relatório, interesses enormes e opostos se enfrentam, e por isso houve uma negociação fechada onde cada um queria que seus interesses estivessem contemplados. O relatório final, incluindo o resumo, está previsto para ser publicado em outubro de 2022, em sua sexta revisão do IPCC.
"Este relatório do IPCC é uma lista de promessas climáticas não cumpridas", disse o secretário-geral da ONU, o português Antonio Guterres. É um arquivo da vergonha, catalogando as promessas vazias que nos colocam firmemente no caminho de um mundo inabitável. Estamos rapidamente a caminho do desastre climático. É hora de pararmos de queimar nosso planeta e começarmos a investir na abundante energia renovável que nos cerca”, acrescentou.
Em essência, o painel de especialistas afirma que resta apenas uma janela de três anos para o mundo conter as emissões de gases de efeito estufa e reduzir drasticamente o consumo de combustíveis fósseis: em 2050, o uso do carvão deve acabar, 60 por cento do petróleo e de seus derivados também, assim como 70 por cento do gás. Após esse período, os danos serão irreversíveis.
Cientistas apontam que, com o nível dos compromissos atuais, o objetivo de controlar o aumento da temperatura média do planeta para +1,5ºC está "fora de alcance". Na realidade, o mundo caminha para um aquecimento "catastrófico" de 3,2ºC, diz o Relatório.
O estudo coloca novamente a principal responsabilidade pela deterioração da atmosfera nos países ricos: América do Norte, Europa, Austrália, Japão e Nova Zelândia tinham 22% da população mundial em 2019, mas contribuíram com 43% das emissões acumuladas históricas de dióxido de carbono (CO₂) entre 1850-2019 . A África e o Sul da Ásia tinham 61% da população mundial em 2019, mas contribuíram com apenas 11%.
O presidente do IPCC, o economista sul-coreano Hoesung Lee, afirmou que “estamos em uma encruzilhada. As decisões que tomamos agora podem garantir um futuro viável. Temos as ferramentas e o conhecimento para limitar o aquecimento, mas para que o aquecimento global não leve a mudanças irreversíveis, essas emissões precisam atingir o pico em três anos e depois cair drasticamente."
Sem gases de efeito estufa não poderia haver vida na Terra. A temperatura da superfície terrestre é regulada por esses gases – principalmente o dióxido de carbono (CO₂) – que se acumulam na atmosfera criando o que é conhecido como “efeito estufa”. Ou seja, a radiação solar penetra na atmosfera, uma parte é absorvida pela superfície do planeta e outra é ejetada na atmosfera onde o efeito estufa atua como um “filtro”: deixa uma parte da radiação refletida passar para o espaço sideral, mas o resto fica retido, regulando assim a temperatura da Terra.
Isso significa que sempre houve um “efeito estufa”. O problema é que por milhares de anos os seres humanos basearam seu desenvolvimento na agricultura e na caça. E as principais fontes de emissões de CO₂ vieram de uma sociedade artesanal e rural.
Mas a partir da segunda metade do século XVIII, com a invenção da máquina a vapor e o início da Revolução Industrial, a quantidade de dióxido de carbono acumulado na atmosfera não parou mais de aumentar. As caldeiras foram inicialmente alimentadas com biomassa, mas rapidamente mudaram para carvão, cuja combustão é até hoje a principal fonte de emissões de CO₂ (40%).
A Revolução Industrial se consolidou na Europa e depois se espalhou para parte do Ocidente. No início do século XX, com a invenção do automóvel e sua fabricação em série, o petróleo e seus derivados foram incluídos como uma nova fonte de CO₂. Ao mesmo tempo, o desmatamento também se acelerou, causando uma diminuição permanente na absorção de dióxido de carbono pelas florestas naturais.
Foi na segunda metade do século XX que começou um aumento elevado nas emissões de gases de efeito estufa, passando de cerca de 5 mil megatons por ano para mais de 45 mil megatons hoje em dia. Observe que nos 800.000 anos anteriores, a emissão de gases de efeito estufa mal atingiu o máximo de 5 mil megatons, e só nos últimos 100 anos aumentou em 40 mil e continua aumentando.
Em 1988, por iniciativa da Organização Meteorológica Mundial e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), foi criado o IPCC, que em 1990 produziu seu primeiro relatório que confirmava o que já havia sido registrado nos dados acumulados, isto é, uma variação acelerada do clima da Terra devido ao crescente acúmulo de gases de efeito estufa, causando um aquecimento da atmosfera.
As conclusões do IPCC encorajaram os governos a adotar a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática. Comparado ao que costuma acontecer com os acordos internacionais em geral, a negociação neste caso foi rápida. A Convenção estava pronta para ser assinada na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em 1992 no Rio de Janeiro, conhecida como “Cúpula da Terra”.
No entanto, as emissões de CO₂ continuaram aumentando quase continuamente. O crescimento só foi retardado por crises econômicas. Em 2015, após décadas de discussões, foi aprovado o Acordo de Paris, o primeiro acordo que obriga todos os países signatários a apresentar planos para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa.
Até o momento, nenhuma das metas estabelecidas para a redução e eliminação dos gases de efeito estufa foi cumprida. Pelo contrário, como já foi dito, estes aumentaram.
Na base de todo este processo está, sem dúvida, o atual modelo de produção e distribuição de mercadorias. Do consumismo ao hiperconsumismo, os países ricos deram um salto mortal sem rede de proteção exigindo mais energia, mais minerais, mais matérias-primas, mais recursos naturais saqueados no mundo inteiro, mais acumulação de capital, em detrimento dos equilíbrios naturais mínimos para garantir a sobrevivência humana – e de milhões de espécies animais e vegetais – na Terra.
O modelo é, portanto, insustentável, e o neoliberalismo apenas o exacerbou. Já não são só os sindicatos e as organizações sociais que o dizem. “Os padrões atuais de desenvolvimento insustentável estão aumentando a exposição dos ecossistemas e das pessoas aos riscos climáticos”, diz o próprio Relatório do IPCC, estabelecendo que entre 3,3 e 3,6 bilhões de seres humanos “são altamente vulneráveis” às possíveis consequências das mudanças climáticas.
Os países ricos basearam seu desenvolvimento na destruição acelerada e massiva do meio ambiente, do ambiente de todos. Sua enorme responsabilidade diante das mudanças climáticas já é inegável, enquanto os países menos desenvolvidos não só tiveram muito menos influência na situação atual, como também são os mais expostos a sofrer suas consequências.
O eixo de todo o processo que nos trouxe até aqui foi, sem dúvida, a ânsia de lucro a todo custo, destruindo o que fosse preciso. Como escreveu Francisco de Quevedo: “O Sr. Dinheiro é um cavalheiro poderoso”. Depois de “a culpa” ser estabelecida, é só questão de definir “quem paga os pratos quebrados”. Não menos importante, é saber também como e onde as mudanças climáticas podem ser detidas e revertidas.
Inúmeras vozes de especialistas e de ativistas sociais e sindicais expressam que é injusto que “os justos paguem pelos pecadores", e que, portanto, o custo das medidas de mitigação deve ser assumido pelos países ricos que, por outro lado, continuam sendo os principais emissores de gases de efeito estufa.
Em que pesem as declarações diplomáticas e politicamente corretas, a realidade mostra que o capitalismo -ocidental e oriental-, ou seja, os donos dos meios de produção e de distribuição que determinam as características do modelo econômico, político e social, não estão dispostos a fazer esforços reais, enquanto realmente não forem obrigados a fazê-lo. Aliás, chegada a hora, permanecerão fiéis à sua receita mais clássica: a de que pagarão os de baixo.
Da mesma forma, uma ação rápida e eficaz para reduzir a catástrofe causará inevitavelmente a queda dos níveis de consumo de bens e de serviços no mundo inteiro, gerando uma profunda crise nos atuais modos de vida das sociedades de opulência, mas também das elites e das classes médias dos países em desenvolvimento, que, como se sabe, têm maior capacidade de influenciar as políticas públicas do que os setores menos favorecidos .
É difícil imaginar hoje em dia, como uma possível redução do uso de combustíveis fósseis ocorrerá de fato, na vida cotidiana. Como e onde o que foi desmatado será reflorestado, e quem pagará por isso? Onde irão parar as mudanças tecnológicas indispensáveis e como serão distribuídas? Quem se beneficiará, caso ocorra, de uma mudança de paradigma produtivo?
Portanto, attenti al lupo, cuidado com o lobo. Pois, por enquanto se ouvem alertas, sirenes e até rugidos que se concentram no que é urgente e necessário: na urgência de parar e reverter a tendência de um desastre anunciado.
Mas também teremos que prestar atenção no design do depois, do mundo que surgirá se for possível reunir as vontades e os recursos econômicos que permita um futuro para a humanidade.
Uma pesquisa de:
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Com informação de:
http://www.ccpy.gob.mx/internacional/antecedentes-historicos.php
https://datos.bancomundial.org/indicator/EN.ATM.GHGT.KT.CE?end=2018&start=2000&view=chart
https://elpais.com/especiales/2019/el-co2-en-el-cambio-climatico/
https://www.theguardian.com/environment/2022/mar/07/climate-crisis-amazon-rainforest-tipping-point
https://elpais.com/clima-y-medio-ambiente/2022-04-04/ultimatum-cientifico-las-emisiones-deben-tocar-techo-antes-de-2025-y-luego-caer-drasticamente-para-evitar-la-catastrofe-climatica.html
AFP, Reuters, Infobae, La Jornada, El País e información propia.