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Indígenas do Brasil fumigados com agrotóxicos

“A nova forma de guerra química”

Há vários anos, os indígenas que vivem na região de Dourados, no Mato Grosso do Sul profundo, denunciam que suas aldeias são constantemente pulverizadas com agrotóxicos por agricultores vizinhos. «É uma forma de guerra química», disse um promotor que investiga esses ataques.

Daniel Gatti


Imagem: Allan McDonald – Rel UITA

Ariloide Domingues, líder da aldeia Guyraroká, no município de Caarapó, disse à publicação digital TAB que lá eles vivem «no meio do veneno». «Você respira, come, bebe e usa o veneno que os agricultores pulverizam«, disse.

A revista destacou que «os casos são tão frequentes e sistemáticos no Mato Grosso do Sul que foram definidos como ataques químicos pelo procurador Marco Antonio Delfino, do Ministério Público Federal«, diz a revista.

Os «fazendeiros» (latifundiários), dedicados principalmente ao cultivo da soja, querem expulsar os indígenas de suas terras a todo custo: seja na bala, seja atacando suas plantações com tratores, jogando veneno do ar, com aviões que se movem em voo rasante de noite para assustar as populações.

Os indígenas, por sua vez, vivem praticamente presos em suas aldeias escondidas em matas que, «como nuvens», diz um jornalista do TAB que percorreu a região, de vez em quando aparecem em uma paisagem dominada por plantações de soja nas laterais nas rodovias da região de Dourados.

«É como viver numa guerra. Eles querem nos expulsar, mas vamos resistir», diz Ezequiel João, líder de outro assentamento indígena, o Guyra Kambi’y, em Douradina.

Uma nuvem branca

Outro morador contou como numa manhã, os alunos de uma escola local estavam tomando o café da manhã quando alguns aviões passaram e pulverizaram tudo, jogando veneno em tudo, deixando uma nuvem de agrotóxicos. Quatro crianças e dois adolescentes tiveram que ser internados, com vômitos, diarreia, dor de cabeça e erupções cutâneas.

“Tentamos proteger a comida, mas a nuvem branca contaminou tudo», disse um deles.

Desde 2014, a demarcação do território Guyraroká tramita no Supremo Tribunal Federal. E até hoje estão esperando pela resolução.

A demora é tão absurda que a Organização dos Estados Americanos enviou uma missão em 2019 para inspecionar as condições de vida da população indígena.

Nada mudou desde então. Por isso, os advogados das populações indígenas planejam denunciar a situação perante as Nações Unidas.

Eles se basearão em um precedente excepcional, mas significativo: a condenação do Paraguai por não investigar a morte do agricultor Ruben Portillo, que morreu em decorrência da pulverização de agrotóxicos por produtores agrícolas, também em cultivos de soja.

Mais além do Brasil

O Paraguai se tornou em 2019 o primeiro país a ser condenado por violações de direitos humanos decorrentes de crimes ambientais.

Até agora é o único país processado, mas já faz fila o Brasil com esse ataque aos povos indígenas, e a Argentina, pois a Rede de Povos Fumigados (RPF) acumula múltiplas denúncias pelos mesmos motivos, com desastrosas consequências sanitárias, ambientais e econômicas para os população das províncias, como Córdoba, Entre Ríos e Santa Fe.

No Brasil, o pesquisador Wanderlei Pignati, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso, testou a presença de agrotóxicos em até 100 quilômetros adentrando a Reserva Indígena do Xingu e o Pantanal, áreas de produção intensiva de soja, milho, algodão e cana-de-açúcar.

Nessas regiões do país, foram encontrados, nos últimos anos, um número de casos de câncer e malformações em recém-nascidos muito superior à média nacional, o mesmo que a RPF comprovou no cinturão da soja argentina.

Medardo Vázquez, o pediatra que lidera a rede argentina, comentou semanas atrás que não há mais nada para se provar sobre os danos causados pelos agrotóxicos, e não só quando pulverizados perto de centros populacionais.

“São nocivos em todos os casos. Há abundante literatura científica sobre o assunto e, sobretudo, pessoas de carne e osso que são a prova viva do desastre que causam. E terras e rios, e consequentemente alimentos que estão contaminados e que não são consumidos apenas pela população local”.

O pessoal da RPF acha muito bom que, às vezes, a justiça decida a favor de quem denuncia as fumigações e que as vítimas sejam indenizadas, como aconteceu recentemente com moradores de duas aldeias indígenas no Mato Grosso do Sul.

Mas isso não é suficiente, dizem eles. “É preciso acabar de uma vez por todas com estes agrotóxicos e, fundamentalmente, com o modelo de produção que exige cada vez mais e mais o uso destes venenos.