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Coluna de Hidayat Greenfield,
secretário Regional da UITA para Ásia e Pacífico

“Defender a NR36 é uma
luta internacional com
consequências globais”

A medida que emergimos da pandemia, não há dúvida de que proteger a saúde pública é uma prioridade. Isso não significa apenas construir sistemas de atendimento médico melhores e mais acessíveis, mas também melhorar imperiosamente as regulamentações de saúde e segurança ocupacional para garantir locais de trabalho mais seguros para
os trabalhadores e as trabalhadoras.

Hidayat Greenfield


Foto: Gerardo Iglesias

É precisamente por tudo isso que o urgente reconhecimento da Convenção 155 da OIT sobre segurança e saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras como um direito fundamental ganhou tanto apoio em 2022.

Para os trabalhadores e trabalhadoras essenciais da indústria alimentar, o direito a um local de trabalho seguro tornou-se absolutamente vital.

Considerou-se que os trabalhadores e as trabalhadoras da indústria de carnes e aves, em particular, corriam alto risco de exposição ao Covid-19 no trabalho.

Os estudos também mostraram que as velocidades de linha mais rápidas nos aviários aumentaram o risco de contágio por Covid-19.

Soma-se a isso o fato de o coronavírus SARS-CoV-2, causador do Covid-19, ser uma doença zoonótica (disseminada entre animais e humanos), o que exige enormes esforços na prevenção desse tipo de contágio.

Como afirmou o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) em 2020, devemos tomar várias medidas de amplo espectro para proteger o meio ambiente e transformar nossos sistemas alimentares, como forma de prevenção contra a próxima pandemia.

Isso é mais urgentemente necessário em indústrias onde os riscos de exposição a doenças animais são altos, como é o caso dos abatedouros de carne e aves.

Tudo isso significa que mundialmente estamos em um ponto de inflexão crítico onde a saúde pública e a saúde e segurança ocupacional devem ser priorizadas. No entanto, justamente nesta conjuntura, é que o Brasil resolver caminhar a na direção contrária.

O governo está se movendo para incluir emendas visando a corroer a proteção da saúde e da segurança dos trabalhadores e trabalhadoras na indústria frigorífica. E está sendo atacada especificamente a Norma Regulamentadora Nº36 (NR-36) Saúde e Segurança no Trabalho em Frigoríficos e Processamento de Carnes e Derivados.

A NR-36 foi adotada em 2013, após 15 anos de campanha para melhorar as condições de trabalho dos trabalhadores e trabalhadoras do setor e garantir seu direito a um ambiente de trabalho seguro.

A norma inclui tudo, desde a duração e o momento das pausas, ficar em pé e sentado durante o trabalho, a rotação do trabalho, a limitação da exposição a temperaturas frias e o uso de equipamentos de proteção individual (EPI) apropriados e adequados, e principalmente, que protegem a saúde dos trabalhadores e trabalhadoras, e não apenas os produtos.

Há também disposições sobre riscos biológicos e medidas de biossegurança que são ainda mais relevantes hoje em dia com o ressurgimento da gripe aviária H5N6 HPAI (influenza aviária de alta patogenicidade), incluindo surtos de H5N1, e um aumento na resistência antimicrobiana (RAM).

Seguir a ciência

O objetivo da NR-36 é “garantir permanentemente a segurança, a saúde e a qualidade de vida no trabalho”.

Poucos duvidariam da importância deste objetivo em 2022. No entanto, os conglomerados de frigoríficos no Brasil querem que o governo corroa a norma.

Isso significa não garantir mais segurança, nem saúde e nem qualidade de vida no trabalho e, além disso, estabelecer padrões mais baixos em um momento onde há um maior esforço para proteger a saúde humana.

Significa eliminar o direito à segurança e à saúde às vésperas de ser reconhecido mundialmente como um direito fundamental.

Nossos esforços urgentes para prevenir catástrofes climáticas, reverter a perda de biodiversidade e impedir novas pandemias devem seguir a ciência, pois é ela quem deve ser a condutora de nossas ações, e não a política.

O ataque à NR-36 é um ataque político à saúde e à segurança na indústria de carnes e derivados que desafia a ciência.

Desde a introdução da NR-36 em 2013, dezenas de estudos demonstraram uma melhora real na saúde humana, na higiene e na qualidade de vida dos trabalhadores e das trabalhadoras. [1]

Estudos comparando o trabalho em frigoríficos de processamento de aves no Brasil antes e depois da introdução da NR-36 demonstram um menor risco ocupacional e uma menor incidência de lesões e doenças de longa duração.

Funciona

A importância dos requisitos da NR-36 para EPI, rodízio de trabalho e pausas para descanso são citados repetidamente em estudos internacionais como exemplos de melhoria qualitativa na saúde humana. [2]

A ciência nos diz que a NR-36 está funcionando. Já a política nos diz que os conglomerados de carne de bilhões de dólares podem espremer mais ainda os trabalhadores para ficarem mais tempo, chegarem mais alto, terem intervalos mais curtos, usarem EPI mais barato e sofrerem em temperaturas frias, pois assim obterão mais lucros.

As consequências globais da reversão da NR36 não podem ser subestimadas.

O Brasil é o maior exportador de carne bovina (23% do total mundial) e o segundo maior produtor de carne de frango do mundo. A produção de carne de frango chegou a 14,35 milhões de toneladas em 2021, com um salto de 51% nas exportações.

Enquanto isso, a JBS, com sede no Brasil, é a maior produtora e processadora de frango do mundo, a maior fornecedora de proteína do mundo e a segunda maior empresa de alimentos do mundo.

Portanto, uma reversão e erosão dos padrões de saúde e segurança na indústria de carnes e aves tem consequências globais.

Um padrão global

Em toda a região da Ásia, do Pacífico e internacionalmente devemos protestar ao governo do Brasil e expressar nossa indignação.

Devemos defender a NR36 como um padrão que exemplifica nossa luta para reconhecer a Convenção 155 da OIT como um direito fundamental.

Nesta conjuntura histórica crítica, devemos estar focados na proteção da saúde pública, na proteção da saúde dos trabalhadores e do meio ambiente, e não nos distanciaremos disso.

Sim, também devemos transformar a indústria de carnes e aves, pois é um dos principais responsáveis pelas mudanças climáticas, pela perda de biodiversidade, além de ser um importante “propulsor de doenças”.

Mas só podemos fazer isso através da força organizada dos trabalhadores e das trabalhadoras do setor e de suas comunidades. Podemos passar da segurança para o meio ambiente e garantir uma transição justa.

Tal transição se torna impossível se a indústria de carnes e aves retornar ao passado, onde as condições de trabalho eram brutais e inseguras..

Se isso ocorrer, não haverá esperança nem justiça. E, portanto, não haverá a possibilidade de uma transição justa.


[1] Diogo Reis, Antonio Moro, Elaine Ramos, Pedro Reis, «Upper Limbs Exposure to Biomechanical Overload: Occupational Risk Assessment in a Poultry Slaughterhouse», en Ravindra S. Goonetilleke y Waldemar Karwowski (eds) Advances in Physical Ergonomics & Human Factors: Proceedings of the AHFE 2018 International Conference on Physical Ergonomics & Human Factors, 21-25 de julho de 2018, páginas. 275 a 282. Ver também Dias NF, Tirloni AS, Cunha Dos Reis D, Moro ARP, “El efecto de los diferentes horarios de trabajo-descanso sobre el riesgo ergonómico en los trabajadores de mataderos de aves de corral”, Trabalho. 2021; 69(1), pp.215-223.
[2] Ver artigos publicados em Nancy L. Black W. Patrick Neuman, Ian Noy (eds), Proceedings of the 21st Congress of the International Ergonomics Association (IEA 2021), Volume V: Methods & Approaches. Springer, 2022.