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Senadores rebatem proposta que ameaça direito à pausa para trabalhadores em frigoríficos

Audiência pública na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) debateu, nesta terça-feira (16), sobre o processo de reformulação da Norma Reguladora (NR) 36 que, entre outras medidas, estabelece o direito de pausa de 20 minutos a cada uma hora e quarenta para os trabalhadores de frigoríficos.
Foto: divulgação

No início do ano, o governo abriu “consulta pública”, após sugestão de empresários, para alterar a norma e reduzir os requisitos mínimos de seguranças garantidos aos trabalhadores do setor e, desde então, parlamentares, entidades sindicais e Ministério Público do Trabalho repudiam qualquer proposta que afete a segurança dos trabalhadores.

A audiência foi proposta e presidida pelo senador Paulo Paim (PT-RS), que afirmou a importância de se debater um tema que pode mudar as relações de trabalho para milhares de brasileiros.

“Tenho certeza de que esse debate vai contribuir e muito para que tenhamos avanços nos procedimentos obrigatórios à segurança, à saúde do trabalho e o interesse da sociedade”, disse Paim.

“Eu aprendi que tem coisas que não dá para deixar passar despercebidas, uma delas é a segurança no trabalho, até porque eu vim de CIPA [Comissão Interna de Prevenção de Acidentes] e fui técnico de segurança no trabalho. Prevenir acidentes de trabalho é caminhar rumo ao futuro”, completou Paim.

A organização da atividade no setor é caracterizada pelo trabalho penoso, ritmo intenso, baixas temperaturas, umidade, posturas inadequadas, riscos de acidentes com amputações, exposição a agentes biológicos, deslocamento de cargas, longas jornadas, dentre outros fatores de risco à saúde dos trabalhadores. Esses elementos fazem do setor frigorífico um dos propensos a acidentes laborais.

A NR 36, ancorada no artigo 253 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), estabelece o direito de repouso de vinte minutos depois de uma hora e quarenta minutos de trabalho contínuo para que os trabalhadores que exercem suas atividades em ambientes artificialmente frios e para os que movimentam mercadorias do ambiente quente ou normal para o frio e vice-versa.

Silvana Moreira Battaglioti, da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Alimentação e Afins (CNTA), rebateu o discurso apresentado pelo governo de que os trabalhadores estão “engessados” contra mudanças e afirmou que a categoria quer discutir mudanças desde que sejam alterações para melhorar a segurança no ambiente de trabalho.

“Vamos continuar debatendo para chegarmos a um consenso que efetivamente melhore o ambiente de trabalho”, disse.Silvana destacou que a NR estabelece pontos mínimos para a garantia da saúde e segurança no trabalho ao dispor a necessidade de avaliar, controlar os riscos existentes na atividade e afirmou que as mudanças não podem ser feitas às pressas, defendendo maior tempo de debate para que seja possível chegar a um consenso sobre o tema.

Um marco mínimo

“A NR 36 é um marco regulatório do mínimo de saúde e segurança dos trabalhadores e trabalhadoras nas indústrias de abate e processamento de carne, visando o controle, avaliação e o monitoramento da atividade.

Assim, a NR foi uma conquista social que traz melhorias importantes exigências no trabalho com maquinário, manuseio de objetos perfuro-cortantes, ruídos no local, vestimenta dos funcionários, câmaras frias, jornada de trabalho e, principalmente, as pausas térmicas. Esses requisitos são fundamentais para a manutenção da saúde e evitar os acidentes ocupacionais”, disse Silvana.

A sindicalista lembrou que, apesar disso, a NR3 6 é uma norma relativamente nova, publicada apenas em 2013 e que só foi entrar em vigor 6 meses depois, com alguns de seus itens vigorando após dois anos.

Silvana denunciou que ainda hoje a norma não é plenamente cumprida por frigoríficos, lembrando que, ao mesmo tempo em que buscam flexibilizar as normas de segurança do setor, os frigoríficos estão entre as empresas que mais lucraram no último período.

“Foi divulgada a lista das 100 maiores empresas do Brasil em 2020 com 15 frigoríficos dentre elas, inclusive é um frigorífico que encabeça a lista em plena pandemia de Covid-19. Lembrando que muitos trabalhadores morreram, ficaram doentes em frigoríficos durante a pandemia.”

O gerente do Projeto Nacional de Adequação de Frigoríficos do Ministério Público do Trabalho (MPT), Sandro Sardá, também defendeu que haja maior tempo de discussão sobre a reformulação da norma, inclusive com nova consulta pública. A consulta pública foi encerrada no último dia 8.

Acidentes

Sardá afirmou que o setor de frigoríficos é um dos que mais geram acidentes de trabalho e doenças ocupacionais do país e lembrou que a NR 36 foi construída ao longo de dez anos e, devido à sua complexidade, é necessário mais tempo para debater sobre sua revisão.

Dados do Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho da Previdência Social apontam que somente em 2019 foram notificados cerca de 23 mil acidentes de trabalho nos frigoríficos, ou seja, aproximadamente 63 por dia. No período de 2016 a 2019 foram notificados 85.094 acidentes de trabalho.

“Trabalhadores de frigoríficos chegam a realizar 80 a 90 movimentos por minuto em ambientes frios, com riscos de amputações, vazamentos de amônia, baixa taxa de renovação do ar”, ressaltou Sardá.

Roberto Ruiz, representante da Fundação Oswaldo Cruz, pesquisador e membro da comissão de criação da NR36, afirmou que a revisão da norma, na prática, abrirá caminho para uma autorregulação no setor na questão da saúde e segurança do trabalho.

Ruiz disse ainda que a tragédia de Brumadinho em 2019 demonstrou que a autorregulação e a autodeclaração nesse campo expõem trabalhadores a riscos e pode resultar em tragédia, não de lama, mas de tendinites, amputações e acidentes.
“Toda a regulamentação ambiental de Brumadinho era praticamente autodeclaração. Tirar as pausas é um desserviço à nação brasileira”, alertou.

Já a senadora Zenaide Maia (Pros-RN) afirmou que a revisão das normas segue um processo de retirada de direitos dos trabalhadores iniciada com a reforma trabalhista de 2017.

“Depois de uma reforma trabalhista, querem tirar esses direitos dos trabalhadores em relação à prevenção de doenças em frigoríficos. Não estamos contra frigoríficos, mas esses trabalhadores não têm direito a nada e agora querem modificar a norma deixando os trabalhadores mais vulneráveis”, disse a senadora.

Para o presidente da CNTA, Artur Bueno de Camargo, a audiência pública mostrou que há uma unanimidade das representações legais e de trabalhadores, da maioria dos participantes, de que não é o momento para se discutir mudanças na NR 36.

“Ainda temos crise sanitária, as empresas tiveram lucros recordes, os trabalhadores estão adoecendo e não apenas fisicamente, mas também mentalmente – é o momento de protegê-los ainda mais, e não retirar direitos. Nenhum direito a menos. Se vamos discutir a NR 36 que seja para melhorar a norma, para proteger ainda mais nossos representados”, conclui.