Brasil | SOCIEDADE | OPINIÃO

Todos perderão!

“É difícil ser patrão no Brasil! ”. “Ou todos os direitos e desemprego ou menos direitos e emprego”. Essas frases são comumente proferidas pelo presidente Bolsonaro.

Durante reunião com empresários no Chile, o presidente foi mais ousado ao afirmar que: “Eu tenho dito que na questão trabalhista nós devemos beirar a informalidade porque a nossa mão de obra talvez seja uma das mais caras do mundo. A Consolidação das Leis Trabalhistas não se adequa mais à realidade”.

Tais afirmações nos convidam a refletir sobre o seu impacto na vida de homens e mulheres que tem no trabalho sua fonte de sobrevivência, dando destaque àqueles que atuam em áreas rurais.

Vale ressaltar que o direito ao trabalho está intimamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana previsto na Constituição Federal de 1988, sendo considerado em todas as normas internacionais como um dos direitos humanos. Ao alçar o direito ao emprego a este patamar estas normas deixam claro que são inadmissíveis todas as formas de precarização de mão de obra.

As condições de trabalho no campo brasileiro são péssimas. Segundo o DIEESE, em 2015 haviam cerca de 4 milhões de assalariados e assalariadas rurais, sendo que, desse total, estimava-se que 60% (quase 2,5 milhões de pessoas), não possuíam carteira assinada, portanto, trabalhavam sem nenhuma proteção trabalhista.

Em alguns estados a informalidade ultrapassa a barreira dos 80%, como é o caso da Bahia e do Pará. De 1995 até os dias atuais foram resgatados quase 55 mil trabalhadores e trabalhadoras em condições análogas à escravidão, a maioria deles na pecuária e na cana-de-açúcar. 

Esses casos de violação de direitos demonstram que é falsa a afirmação de que a legislação brasileira é extremamente protecionista aos trabalhadores e cara. Se um país como o Brasil precisa escrever numa norma de saúde e segurança que é dever do empregador fornecer água potável para os seus empregados, não se pode colocar a culpa na norma.

A culpa está justamente no comportamento de alguns patrões que entendem que um trabalhador pode consumir água inapropriada ou saciar sua sede nos mesmos lugares que os animais.

O estímulo a precarização das condições de trabalho além de violar toda as normas nacionais e internacionais vigentes é uma permissão tácita para a exploração da mão de obra. A partir do momento em que o Presidente da República defende que ter emprego significa exigir dos trabalhadores a renúncia dos seus direitos, há uma autorização a precarização dos contratos de trabalho.

As ideias proferidas pelo presidente são dissonantes com o que alguns países no mundo defendem nos dias atuais. Entre 2015 e 2017, países como Reino Unido e França aprovaram leis que exigem que as empresas monitorem as condições de trabalho em suas cadeias de suprimento e exijam de todos aqueles que participam da atividade o compromisso com os direitos humanos e o meio ambiente, tendência que é acompanhada pelo mercado.

Ora, se com a legislação atual, considerada por alguns como muito protecionista ainda é possível encontrar no campo brasileiro as piores formas de trabalho, o que pode acontecer se o Estado passa a legitimar esta prática? Quem vai ganhar?

Os maus empregadores, por sinal, estão animadíssimos, já que compreendem que menos direitos significa economia e o fim do incômodo provocado pelas visitas dos auditores fiscais do trabalho às suas propriedades.

Mas o tiro pode sair pela culatra e todos perderão. Ao “abaixar a régua”, o governo abre a porta para o aumento dos casos de violação de direitos humanos, além dos problemas políticos que deverão enfrentar com os organismos internacionais, podendo também causar graves prejuízos aos produtos brasileiros. 

Todos perderam quando, em época recente, constatou-se a existência de trabalho escravo em cadeias certificadas de exportação de café e de laranja. Em outro caso, bastaram ser encontradas irregularidades em 21 dos 4 mil frigoríficos de uma determinada empresa para as carnes brasileiras serem retiradas das gôndolas dos supermercado europeus. 

São estes os projetos do presidente Bolsonaro para os setores produtivos: brigar com os principais importadores dos produtos brasileiros, principalmente do agronegócio; entregar essa fatia de mercado para os EUA; legitimar as condições precárias e as piores formas de trabalho.

Esses projetos seguem ribanceira abaixo, a todo vapor e todos perderão, não apenas os trabalhadores e trabalhadoras.