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A situação real do trabalho em turismo no Brasil

Trabalhadores em situação de intensa precariedade

Pouquíssimos trabalhadores com carteira profissional assinada, baixos salários, e extenuantes cargas horárias caracterizam o trabalho no setor de turismo do Brasil. Precariedade ainda mais acentuada quando são mulheres. O único subsetor da indústria que escapa à regra é aquele que tem a maior taxa de sindicalização. Essa descoberta foi revelada pelo trabalho de pesquisa de Angela Teberga de Paula, doutoranda em Turismo e Hospitalidade pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) (Bolsista PROSUC/CAPES) e mestre em Turismo pela Universidade de Brasília (UnB), trabalho este que a Rel-UITA coloca a nossa disposição à continuação*.

Em que pese o turismo ser uma importante fonte de emprego e renda para o Brasil, tanto os pesquisadores como os meios de comunicação vêm problematizando muito pouco a grave questão da terceirização no setor do turismo.

A precariedade do trabalho não é assunto novo, porém revela-se um importante desconhecimento sobre as características do trabalho no mundo capitalista dentro da área do turismo, geralmente muito romantizado.

Uma breve análise do perfil da classe trabalhadora do turismo pode já revelar pistas importantes sobre a terceirização do setor.

Neste artigo apresento alguns dados procedentes do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), vinculado ao governo federal brasileiro, que desenvolveu o Sistema de Informação sobre o Mercado de Trabalho no Setor do Turismo (SIMT), cujo objetivo é oferecer informações que sustentem as formulações e as avaliações de políticas públicas para o turismo no país.

É importante destacar o fato de o IPEA só medir a empregabilidade formal deste setor no país. E essa dimensão já é a primeira característica da precariedade do trabalho no turismo.

Conforme as estimativas do Instituto, a formalidade representa 43 por cento do total das ocupações no turismo. Isto significa que 57 por cento dos trabalhadores não estão com sua carteira de trabalho assinada.  

Portanto há um número alto de trabalhadores que não contam com nenhum direito trabalhista, como por exemplo, as férias remuneradas, o descanso semanal e o seguro desemprego.

No ambiente de trabalho formal, há cerca de 2 milhões de empregos em Atividades Características do Turismo, as ACT, no Brasil. São subsetores do turismo que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) desenvolveu para medir o mercado de trabalho no turismo de maneira mais precisa.

Assim, as ACT englobam as atividades de alojamento, alimentação, transporte terrestre, transporte marítimo, transporte aéreo, aluguel de carros, agências de viagens, cultura e ócio.

A grande maioria dos empregos de turismo (61 por cento) está concentrada no setor da alimentação, vindo logo a seguir os setores de alojamento (16 por cento) e de transporte terrestre (11 por cento).

Baixos salários
O maior indicador da precariedade

Também temos empregos em transporte aéreo, aluguel de carros, agências de viagens, transporte aquático, cultura e ócio, representando cada um menos de 3 por cento.

A segunda característica da precarização do trabalho no turismo tem que ver com a extensa jornada de trabalho.

Em todas as ACT, a grande maioria dos trabalhadores de turismo (90 por cento) trabalha mais de 41 horas por semana.

Este número de horas entra na jornada permitida pela legislação brasileira, isto é, 48 horas semanais (44 horas regulares + 4 horas extras), porém não são contabilizadas as horas do segundo emprego, normalmente informal, chamado debico”, para complementar a renda.

Estimativas recentes evidenciaram o fato de que quase a metade da população economicamente ativa do Brasil precisa hoje ter um segundo emprego para enfrentar a crise econômica.

A única ACT que escapa desta regra é o transporte aéreo, cuja maioria de seus trabalhadores faz de 21 a 40 horas de trabalho. É importante destacar que esse é o único subsetor em que as regras de trabalho são mais rígidas e os sindicatos de trabalhadores mais combativos.

Finalmente, a remuneração média dos trabalhadores é a que mais confirma a precariedade no trabalho turístico no Brasil.

De acordo com o IPEA, a remuneração média paga pelo setor de turismo é de 2.286 reais (571 dólares), porém há uma grande variação entre as atividades relacionadas.

As menores retribuições são pagas pelos subsetores de alimentação (1.226 reais ou 306 dólares), e alojamento (1.476 reais ou 369 dólares). A remuneração mais alta é paga pelo transporte aéreo, com um salário médio de 5.529 reais.

É interessante notar que o setor da alimentação, com maior quantidade de horas trabalhadas durante a semana, é o que pior paga. E, por outro lado, o setor aéreo, com menor jornada de trabalho, é o que melhor paga.

Há também certa diferença de remuneração média por gênero. Em todas as ACT a remuneração média dos homens é mais alta do que a das mulheres.

A exceção é para o subsetor de alugueis de carros, onde a média de remuneração feminina é ligeiramente superior, em 50 reais, mais do que a média da remuneração masculina.

A remuneração média recebida pelos homens que trabalham no transporte aéreo é de 6.612 reais, praticamente o dobro da remuneração para as mulheres que executam as mesmas tarefas. Estas recebem 3.670 reais.

Os dados sobre carteira assinada, jornada de trabalho e remuneração aqui apresentados mostram parte das condições de trabalho no setor de turismo do Brasil.

Se ainda considerarmos questões como a baixa organização sindical, a baixa qualificação profissional e o trabalho exaustivo, ficam evidentes as causas de o trabalho no turismo no Brasil estar marcado por uma profunda precariedade.


Autor: Angela Teberga de Paula

* Angela Teberga de Paula, doutoranda em Turismo e Hospitalidade pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) (Bolsista PROSUC/CAPES) e mestre em Turismo pela Universidade de Brasília (UnB). É professora pela Universidade Federal de Tocantins. Este trabalho foi apresentado no Seminário Internacional de Turismo E Direito em um mapa de Contradições – Reflexiones sobre a democratização do acesso e os impactos das práticas turísticas, organizado pelo SESC Sao Paulo, durante os dias 12 e 13 de junho de 2018.
A Rel utilizou com fonte para essa matéria o site de Alba Sud.
Nota do Editor: Manchete e destaques são de A Rel.