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1º de Maio é nosso dia, mesmo que seja em época de isolamento

As palavras projetadas em uma parede de um edifício durante os protestos em massa do ano passado no Chile agora ressoam em todo o mundo: “Não voltaremos à normalidade, porque a normalidade era o problema”. A gigantesca crise econômica que acompanha a disseminação do COVID-19 mostra essa normalidade com toda a sua crueldade.
Foto: Gerardo Iglesias

A pandemia expôs a incapacidade de nossos sistemas de saúde lidarem com uma emergência previsível e já antecipada.

O atendimento médico, um direito humano básico, foi dizimado por anos de austeridade forçada, terceirizações, gestão pensada para um dia ou “em cima da hora”, devido aos imperativos do lucro.

Agora, nessa emergência, os profissionais de saúde estão lutando duro também contra a tremenda escassez de pessoal, de equipamentos de proteção, de suprimentos essenciais e de recursos médicos.

Os asilos, por sua vez, se transformaram simplesmente em caixões para enterrar doentes e idosos.

A crise sanitária é o sintoma de uma patologia maior. Os bancos de alimentos nos países ricos estão saturados e milhões de trabalhadores que ganham por dia percorrem caminhos tortuosos porque a situação em todo o universo é de instabilidade permanente.

Os governos falam em superar o medo na luta contra um "inimigo invisível", mas o "normal" está unido ao medo: ao medo de perder o trabalho, de ser despejado, de adoecer ou de se machucar, das dívidas, da pobreza, e das represálias por falar ou organizar com solidariedade.

O 1º de maio e o movimento operário internacional nasceram na luta contra a exploração que está por trás desse medo.

Como os mineiros que, ao longo do século passado, fizeram greve para que lhes dessem sabão, melhores salários e maior segurança nas minas, hoje, nessa crise atual, trabalhadores e trabalhadores das super rentáveis empresas de carnes e frango tiveram que fazer greve pelo direito à proteção básica de sua saúde e pela segurança de cada trabalhador e trabalhadora.

Aliás, os trabalhadores e as trabalhadoras de restaurantes, serviços de alimentação e hospedagem que ainda estão trabalhando enfrentam essa mesma luta, pois os empregadores se resistem em implementar medidas básicas para mitigar a propagação do vírus e salvar vidas.

As filiadas da UITA lutam para garantir que haja sabão e água limpa, transporte seguro e moradia, bem como salários dignos para aqueles que trabalham na agricultura.

A população trabalhadora da agricultura e da alimentação, antes considerada descartável, agora é percebida como "essencial".

Será que esse reconhecimento durará após a crise, levando investimentos em saúde e serviços públicos, como também trabalho seguro para todas as pessoas que hoje ajudam a alimentar o mundo? Gerará proteção total para os direitos sindicais e um real avanço em direção a um sistema alimentar sustentável?

A resposta à crise foi acompanhada por um giro ideológico. Caíram no esquecimento os orçamentos equilibrados, os "governos enxutos" e a austeridade (embora notavelmente não ocorreu em todos os ministérios das finanças da União Europeia).

Os governos estão criando fundos volumosos para evitar o colapso, mesmo colocando dinheiro diretamente no bolso das pessoas. Estamos enfrentando o "fim do capitalismo neoliberal", como o banco francês Natixis proclamou recentemente?

Quando a máquina financeira global entrou em colapso em 2008, medidas extraordinárias foram tomadas para ressuscitá-la e nos disseram que nada poderia ser como era antes. As finanças globais foram revividas com dinheiro público, e depois voltamos à "normalidade".

Grande parte do mundo ainda sofria os efeitos dessa resposta fracassada quando o COVID-19 apareceu. A "normalidade" está abalada pela crise, e enfrentamos uma emergência climática global.

Irão os governos disciplinar uma máquina financeira inflada que (novamente) recebe uma generosa porção dos fundos de resgate, sem controle democrático?

Dependerão ainda mais das "parcerias público-privadas" quando for declarado o retorno à normalidade e tudo voltará a ser como antes, porque "não há alternativa"?

Serão mobilizados os recursos necessários para evitar o colapso ambiental?

Será que os trabalhadores e trabalhadoras migrantes, que agora receberam residência como medida de crise, poderão manter suas autorizações quando a pandemia diminuir? No futuro, os migrantes terão a sua residência permitida? Os trabalhadores e trabalhadoras rurais terão que continuar lutando para ter sabão?

A resposta para todas essas perguntas depende em grande parte de todos e de todas nós.

O status quo não é apenas insustentável, declarou o sindicato australiano United Workers Union no início da crise: "Momentos de ruptura criam espaço e impulso para a mudança". Os avanços sociais nunca surgiram espontaneamente do colapso; temos que organizar esse espaço.

Se, quando voltarmos ao trabalho, os bens públicos forem colocados sob controle público, será necessário um movimento sindical muito mais forte e uma agenda política mais ambiciosa.

E se estamos de fato diante do retorno do Estado, depois de termos sido informados por décadas que "o mercado" é a única instituição em que a sociedade humana pode se basear, que tipo de Estado será este? Amparados na crise, muitos governos continuam seus constantes ataques aos direitos, e a crise lhes dá novas ferramentas.

Os governos autoritários sairão fortalecidos a partir da pandemia se não nos organizarmos para defender os direitos democráticos que precisamos para respirar, nos organizar e lutar juntos e juntas.

Desde 1890, trabalhadores e trabalhadoras de todo o mundo comemoram o dia 1º de Maio com piquetes, manifestações e em meio a insurreições. Contudo, nesse ano, pela primeira vez em treze décadas, não estivemos nas ruas.

Mas o dia 1º de Maio continua sendo o nosso dia, o dia em que os trabalhadores e as trabalhadoras afirmam sua solidariedade global e seu compromisso em lutar por um novo mundo.