O mandato foi claro, dar um basta aos mecanismos utilizados para manter a ofensiva neoliberal, como o desconhecimento dos direitos trabalhistas, incluindo o direito de greve.
Foi desta forma que o governo anunciou o seu propósito de elevar o salário mínimo para 750 euros (cifra correspondente ao salário mínimo há seis anos, antes de surgirem os memorandos de entendimento pactuados pelos anteriores governos com a União Europeia [UE] e com o Fundo Monetário Internacional [FMI]), e de restaurar a negociação coletiva, reincorporar os zeladores das escolas, as faxineiras de alguns ministérios despedidas, reestabelecer o 13° salário nas pensões que não chegassem aos 700 euros mensais e de cancelar as privatizações previstas.
O novo governo também adotou drásticas medidas de austeridade, entre elas vender a maior parte dos automóveis e aviões pertencentes ao governo.
Por outro lado, os parlamentares do Syriza adiantaram que não votarão no Tratado Transatlântico, abusivo acordo de livre comércio que os EUA querem impor à Europa.
O Syriza tinha prometido que em caso de chegar ao governo negociaria com a UE e o FMI a dívida pública grega, visando a que a mesma fosse sustentável. O novo governo propõe manter as contas fiscais controladas e gerar um superávit de 1,5 por cento do PIB, em lugar dos 4,5 por cento, exigidos pela troika integrada pela Comissão Europeia (CE), Banco Central Europeu (BCE) e FMI. Estes três pontos percentuais serão utilizados na aplicação das medidas sociais, urgentíssimas, anteriormente comentadas. Falando claro, o governo grego argumenta que não vai manter o seu povo passando fome em troca de pagar uma dívida, e que em consequência será necessário reduzir os pagamentos da dívida aos credores.
Assim são as coisas, o governo grego enfrenta duas disjuntivas: uma é pagar a dívida à custa do bem-estar de sua população. A segunda é estabelecer quem decide, o governo grego em eleições livres ou a troika? A pergunta é pertinente, devemos nos lembrar de que os diretores dos organismos que compõem a troika não são eleitos e que a UE funciona como uma empresa transnacional, com uma diretoria que dá as ordens enquanto os governos dos países membros da União Europeia passam a ser os gerentes locais, devendo cumprir as diretrizes da casa matriz em Bruxelas.
O medo que agora aflige estes burocratas é que a Grécia termine saindo da Área do Euro e que após uma crise inicial, com fuga de capitais incluída, recupere-se de forma mais rápida que o resto dos países membros da UE e sirva de (mal) exemplo para países como a Espanha, Irlanda, Itália ou Portugal.
As medidas adotadas pelo governo grego e sua proposta sobre a dívida foram suficientes para que a direita europeia (encabeçada por Angela Merkel) saísse berrando e catalogando os integrantes do novo governo de “radicais da esquerda”.
Qualificativo que acertadamente foi desmentido pelo ativista e filósofo norte-americano Noam Chomsky, para quem “Syriza é um partido de esquerda para os padrões atuais, mas que, pelo contrário, seu programa não é de esquerda. É um partido antineoliberal; não exigem que os trabalhadores controlem a indústria...”.
Já o retrógrado Mario Vargas Llosa também achou oportuno jogar pedras no governo do Syriza. “O melhor que podia haver passado é que estas bravatas da campanha eleitoral fossem arquivadas agora que o Syriza já tem responsabilidades de governo”, escreveu, mostrando o descaramento moral de quem foi candidato à presidência do Peru.
Atento à voz de seu amo (de sua ama neste caso), Mariano Rajoy se uniu ao coro e sentenciou retumbantemente: “As dívidas com a Espanha serão pagas, doe a quem doer”.
Um artigo do economista mexicano Alejandro Nadal evidenciou a falsidade contida nesta afirmação: “pensam que as transferências de recursos são entre países. E assim, hoje afirmam que a “Grécia” (ou a “Espanha”) devem pagar suas dívidas. Mas as palavras “Grécia” ou “Alemanha” se referem a uma abstração. Se nos aprofundarmos na análise, veremos que em cada um destes espaços nacionais há operários, capitalistas, fazendeiros, banqueiros e acionistas, e até políticos corruptos”, argumenta Nadal.
E acrescenta: “A questão das transferências deve ser analisada com rigor para entender a crise na Europa visando superá-la. O programa de austeridade imposto para a Grécia e a Espanha acarreta em um imenso fluxo de transferência de recursos que é suportado por certas classes sociais em benefício de outros grupos ou classes, nesses e em outros países (por exemplo, do norte da Europa). É necessário superar a narrativa onde estas transferências são um mero vínculo entre os Estados nacionais, ignorando a dinâmica das relações de classe...”
No momento em que escrevo estas linhas, as partes se encontram negociando. O governo grego ofereceu pagar a dívida e não tomar medidas unilaterais que comprometam os objetivos fiscais estabelecidos com a UE, em troca de a União Europeia prorrogar por seis meses a assistência financeira que vence no final do mês e de não exigir novas medidas de austeridade.
O que está em jogo na Grécia transcende os limites deste país e o resultado final influenciará o resto da Europa, e talvez até mesmo o mundo inteiro.
Embora o Syriza tenha evitado se apresentar como uma alternativa para o sistema capitalista, sua vitória eleitoral mostra o amplo campo de desenvolvimento que a crise abriu para a esquerda de todo o mundo.
Está em jogo a viabilidade de uma saída da crise pela esquerda. Saída esta que, como hoje acontece na Grécia, inevitavelmente enfrentará as burguesias rentistas, que se utilizam das classes trabalhadoras e populares.
É urgente construir um movimento o mais amplo e universal possível de apoio ao povo grego.
Um chamado onde os principais dirigentes sindicais alemãs afirmam que a Grécia não é uma ameaça, mas sim uma oportunidade para a Europa, caminha nesse sentido, mas não basta.
O movimento sindical, internacionalista e solidário por definição, deve estar na primeira fila deste movimento.
Tradução: Luciana Gaffrée
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http://elpais.com/elpais/2015/02/06/opinion/1423219904_602409.html
http://www.jornada.unam.mx/2015/02/11/opinion/026a1eco
Também recomendo a leitura de “Creación monetaria y la crisis en Europa”, do mesmo autor, no link http://www.jornada.unam.mx/2015/02/18/opinion/028a1eco