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Acidentes de trabalho no Brasil: uma tragédia não denunciada
Em Goiania, Jacqueline Carrijo
Brasil
TRABALHO
700 mil por ano
 
Acidentes de trabalho no Brasil:
uma tragédia não denunciada
O lucro a todo custo
Em artigo, Jacqueline Carrijo, auditora fiscal do Trabalho, expõe os números e condições alarmantes dos acidentes de trabalho no Brasil que, segundo ela, são "tsunâmicos": uma média de 700 mil por ano.
20140714 paleta-2-350cÉ com pesar e muito respeito a todas as vítimas que escrevo as linhas abaixo. O número de acidentes de trabalho no Brasil é tsunâmico. A média é de 700.000 por ano.
 
A má gestão, a falta de educação e de cultura em segurança nas empresas, falta de fiscalização pela falta de auditores fiscais do trabalho e estrutura eficaz do MTE, as economias perigosas, e o lucro a todo custo favorecem as tragédias humanas que atingem trabalhadores todos os dias no Brasil.
 
E enquanto o Governo brasileiro e todas as autoridades do trabalho não tratarem esse assunto com a seriedade e responsabilidade  exigidas, não teremos expectativas reais de redução no número de acidentes.
 
Para terem uma noção, leiam os dados oficiais da Previdência Social como uma pequena amostragem da quantidade de acidentes. Eu digo amostragem porque os dados não revelam a dimensão real, fiel do problema. Afinal de contas a regra nacional é a subnotificação ou a não comunicação do acidente de trabalho.
 
Aumento da pobreza
e desigualdade
 
Todas as autoridades do trabalho (juízes, procuradores, auditores fiscais) sabem disso. Enfrentamos esse problema todos os dias, mas a não comunicação é uma realidade nos vários setores econômicos.
 
Há falta de dados com relação aos trabalhadores informais, bem como informação insuficiente com relação aos militares e servidores públicos (municipais/estaduais/federais - professores, policiais, profissionais da saúde, motoristas não têm dados de acidentes do trabalho fiéis à sua real condição de trabalho).
 
Milhares de trabalhadores e suas famílias sofrem com mortes, mutilações, distúrbios mentais provocados por ambientes do trabalho inseguros. Isso é muito sério, muito grave.
 
Além da dor e do sofrimento que cada pessoa carrega, também estão a desagregação familiar e o aumento da pobreza, haja vista que a morte, a mutilação, e mesmo os afastamentos temporários e permanentes das pessoas do trabalho agravam a pobreza. Será que alguém duvida ou desconhece as dificuldades de sobrevivência dos trabalhadores acidentados e de suas famílias? Tudo isto mostra de maneira evidente e sangrenta a que ponto chegaram a discriminação e a desigualdade social no Brasil.
 
A falta de acesso à educação pública de qualidade em todo o território nacional, a falta de boas e seguras oportunidades de trabalho/emprego empurram os trabalhadores a correrem riscos de doença e até de morte no trabalho porque precisam garantir a sobrevivência.
 
Formei-me com o conceito de que trabalho é vida e, embora o meu cargo de auditora fiscal exista para proteger a vida, o que vejo no meu exercício funcional é que o trabalho está matando, mutilando, adoecendo crianças, jovens e idosos, homens e mulheres.
 
E sim, há muito trabalho infantil no Brasil. Muitas crianças também adoecem e morrem no trabalho. O trabalhador está sendo tratado com insignificância e a construção de uma sociedade livre, justa, pacífica, solidária passou a ser apenas um sonho bonito de idealistas, e não um objetivo fundamental do Estado brasileiro.
 
A missão dos auditores fiscais
 
NNós, auditores do trabalho, estamos em um esforço nacional visando a reduzir os acidentes e as desigualdades que atingem não só os trabalhadores rurais, mas também os do setor de transportes, da saúde, dos frigoríficos, do teleatendimento, da construção civil, da indústria...
 
Mas, hoje estamos num momento crítico. Além do nosso número super-reduzido de auditores, prejudicando a aplicação das normas de proteção, temos contra nós o trabalho eficaz e incessante do setor patronal, buscando retirar a autoridade dos AFTs. Por tudo isto, temos que dedicar esforços e lutar muito para manter as normas de proteção.
 
A NR12, 31, e a Lei 12619 (revogada) vieram da conquista tripartite, da luta da classe trabalhadora, mas que hoje estão sob ataque, e os trabalhadores cada vez mais ameaçados de doença e morte nos ambientes do trabalho.
 
É essa a herança dos políticos desse governo? O selo institucional de morte e abandono da classe trabalhadora? A regulação da restrição de direitos? Eu digo isso com profunda tristeza.
 
Eu coordeno e executo missões institucionais, faço investigações de acidentes, trabalho, realizo fortemente trabalhos para prevenção de agravos, mas não sem me comover, sem sofrer junto com os trabalhadores, famílias com todos que buscam no Estado a esperança de justiça.
 
Eu tenho posição definida. A desregulamentação, a suspensão e a revogação de normas protetivas existentes por outras que desprotegem a vida colocam o Estado, a União, os Governos e todas as entidades que apoiam as mudanças prejudiciais igualmente responsáveis quanto os gestores públicos e privados que desprezam a vida, a saúde e segurança dos trabalhadores.
 
Não podemos admitir retrocessos sociais. Isso é inconstitucional, ilegal, imoral, desumano. Entidades de classe defendam os trabalhadores, não permitam que isso aconteça.
 
A NR12 veio para salvar vidas, mas os interesses econômicos novamente estão falando mais alto e há risco grave de suspensão dessa norma de máquinas e equipamentos.
 
Nós, auditores do trabalho, junto com o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (SINAIT), lutamos pela manutenção da NR 12, da NR 31 (trabalho rural), da Lei 12.619 (lamentavelmente revogada a começos do mês de julho e que também veio para salvar vida de trabalhadores motoristas), defendemos o art. 149 do CP, lutamos por mais AFTs.
 
Lutamos para defender os trabalhadores de todos os abusos que são cometidos, até mesmo os praticados pelo governo. É dessa instituição isenta que faço parte, e que tem a obrigação legal de velar pelo fiel cumprimento das normas de proteção dos trabalhadores. 
 
Os trabalhadores precisam reagir
 
Mas a nossa luta, que é a luta de todos os trabalhadores brasileiros, está sendo perdida. Os trabalhadores estão perdendo todos os dias direitos, garantias, e onde está a reação contundente das entidades de classe?
 
Denúncias na OIT, pedidos para as entidades, nada resolve. O MPT e o MPF entraram com medidas judiciais para a contratação de mais AFTs, mas até agora continuamos com o quadro super-reduzido.
 
Matam nossos colegas e não há punição, matam trabalhadores no trabalho e tudo fica por isso mesmo, sem condenação criminal. Retiram direitos da classe trabalhadora e as entidades de classe não reagem...
 
Que País é esse? Da injustiça, da impunidade, da indiferença com os interesses coletivos relevantes para a elevação social.
 
Eu confesso que fiquei muito abalada com os últimos acontecimentos, com as batalhas que estamos perdendo, mas mesmo assim continuamos, realizamos esforço nacional para defender a classe trabalhadora de todos os sofridos pelas normas conquistadas visando a proteger os trabalhadores.
 
Mas eu pergunto: onde está a classe trabalhadora para defender os seus direitos e interesses?
 
É preciso que as Centrais Sindicais, Confederações, Federações, Sindicatos impeçam todos esses retrocessos, prejuízos iminentes que ameaçam a integridade física, mental, bem como a identidade moral dos trabalhadores brasileiros.
 
Como cidadã e auditora fiscal do trabalho estou indignada com todos os esforços exitosos dos maus empregadores que favorecem as mortes, doenças, a pobreza dos trabalhadores brasileiros.
 
E mais indignada ainda com a falta de reação eficaz das entidades de classe.
 
Mas a minha revolta não provoca constrangimento algum, não muda nada. O que eu posso fazer é desabafar e continuar trabalhando.
 
Eu fico analisando tudo que está "sobrando" para defender os trabalhadores, e pensando: até quando os trabalhadores ficarão inertes, expectantes? É intolerável tanto desrespeito, tantos maus tratos.
 
É preciso reagir

 

Brasil de Fato
15 de julho de 2014
Edição: Rel-UITA
Ilustração: Maxis/ Cartonclub
*Jacqueline Carrijo é auditora Fiscal do TrabalhoCoordenadora das Auditorias do Trabalho no Setor de Transportes de Cargas e Passageiros-SRTE/GO Goiania
 
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