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Luciana Gaffrée
Em Montevidéu, Luciana Gaffrée
Brasil
INDÍGENAS
Com Cleber Buzatto
É na terra ancestral que o “índio é”
A vida dos povos indígenas está vinculada à terra. Além disso, os povos indígenas não se deixam mais iludir por falsas promessas e aprenderam a lutar pelos seus direitos, é o que afirma Cleber Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), em entrevista concedida à Rel-UITA
-Em várias matérias e cartas ao governo, os povos indígenas acusam o governo brasileiro de historicamente não escutarem o seu discurso. O que você tem a dizer sobre isto?
-Este é um dos elementos centrais da discussão. O respeito aos povos de acordo com o jeito de ser de cada um desses povos.
 
Quando o governo simplesmente decide fazer algo, como por exemplo, a construção das hidrelétricas, e trata a questão da consulta como um mero elemento para buscar formas de melhor construir compensações, no nosso entendimento, desrespeita fundamentalmente o jeito de ser e a autodeterminação desses povos.
 
-É esse o caso vivido pelos Munduruku?
-Os Munduruku não aceitam as construções das hidrelétricas, em especial o complexo hidrelétrico do Tapajós, região tradicional do povo há milhares de anos, porque não mais se deixam iludir pelas falsas promessas dos representantes do governo brasileiro, pois já entenderam muito bem quais serão as consequências para o futuro do seu povo.
 
-O que exatamente você considera um tema central nessa questão?
-Que a hegemonia do Estado deveria ser modificada na perspectiva de os jeitos e as decisões dos povos originários serem melhor consideradas pelos governos, a fim de que esses costumes possam ser preservados. Até porque, é exatamente isso que a Constituição de 1988 garante: O direito de os povos continuarem existindo enquanto povos, com suas línguas, crenças, tradições próprias.
 
-O que os índios estão denunciando quando dizem que não estão sendo escutados?
-Eles denunciam um modelo de desenvolvimento que o governo brasileiro tem adotado, que os desconsidera, que os ignora.
 
Porque é um modelo baseado no avanço ininterrupto das fronteiras agrícolas e nas obras de empreendimento, de exploração de recursos hídricos e, portanto, de exploração dos territórios desses povos.
 
As consequências são radicalmente violentas contra o jeito de ser dos povos indígenas, que vivem nessas áreas e que, agora, passam a ser exploradas pelo governo, pelos fazendeiros, e outros grupos econômicos.
 
-Os militares queriam integrar os índios à sociedade nacional, através do trabalho, da educação e da aculturação. Esse mote ficou presente em parte da população brasileira, onde podemos encontrar afirmações do tipo “Índio que usa sandália havaiana e panela de alumínio não é mais índio”. São ou não são índios? O que é ser “índio”?
-O que a gente observa é que a população brasileira tem uma visão petrificada do que “em tese” deveria ser o comportamento e “o jeito de ser” de uma pessoa para que ela possa ser considerada “membro” de um povo indígena.
 
Por exemplo, para ser indígena não poderia, em tese, usar roupa, já que, na cabeça de muitas pessoas, o modelo construído e petrificado de “exemplo de indígena” é aquele indivíduo que vive no mato, que está nu.
 
Só que, por outro lado, foi a própria sociedade brasileira quem exigiu que essas pessoas mudassem e fizessem adaptações na sua cultura, para depois negarem a identidade a essas pessoas.
 
A população brasileira não entende o conceito de cultura como um conceito dinâmico. Que é perfeitamente possível que um determinado indivíduo continue sendo indígena e, ao mesmo tempo, use telefone ou estude, frequente universidades, e assim por diante. Portanto, esta é uma questão que precisa ser mais bem refletida e debatida.
 
-E a violência não para...
-Não para e são muitos os fatos violentos. Entre tantos, eu citaria a trágica e truculenta Operação Eldorado, em novembro de 2012, onde agentes da Polícia Federal e soldados da Força Nacional destruíram inúmeros bens do povo Munduruku, como casas e barcos. Adenilson Kirixi Munduruku foi assassinado e o crime continua impune.
 
Dados também apontam que o suicídio está causando um genocídio silencioso no Mato Grosso do Sul. Nove Guarani-Kaiowá se suicidaram em 2012, de um total de 23 suicídios em todo o Brasil.
 
Novamente aqui, os dados oficiais são muito mais dramáticos, já que o Ministério da Saúde registra 56 suicídios entre os Guarani-Kaiowá no mesmo período.
 
-A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em nota oficial, avisou que "poderão ocorrer novos e dramáticos confrontos de consequências imprevisíveis"...
-Esperamos e confiamos que o estado brasileiro se dê conta do rumo que isto está tomando, suas deliberações, e que o governo mude a sua orientação, a fim de que aqueles fatos todos não voltem a se repetir no nível em que ocorreram. Confiamos que isso seja evitado por decisões políticas que são da responsabilidade do governo brasileiro, de forma especial.
 
Mas, infelizmente podemos dizer que sim, que existe uma relação muito próxima em termos de conjuntura, e há um risco evidente. Estamos preocupados e temerosos de que algo semelhante possa vir a acontecer. 

 

Mundurukus-610

Fotos: Conselho Indigenista Missionário

 

Rel-UITA
11 de julho de 2013