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Back ddhh Ontem o Relatório Figueiredo, hoje os Guarani-Kaiowá
Luciana Gaffrée
Em Montevidéu, Luciana Gaffrée
Brasil
ĺNDIOS
Ontem o Relatório Figueiredo,
hoje os Guarani-Kaiowá

Sempre a presença ruralista

Foi descoberto um relatório que narra torturas e massacres sofridos pelos índios entre 1962 e 1963. Além das coincidências encontradas entre o Relatório Figueiredo e a situação atual dos índios no Brasil, temos outra “coincidência”: o mesmo Congresso Nacional, com sua base ruralista, quer demarcar as terras indígenas e dizer como usá-las, por meio da PEC 215 e da Portaria 303.
Em maio deste ano, foi encontrado no atual Museu do Índio um relatório que ficou desaparecido por 45 anos, supostamente eliminado em um incêndio. Chamado de Relatório Figueiredo, seu objetivo era mostrar irregularidades no Serviço de Proteção ao Índio – SPI. Esta investigação, produzida durante a ditadura militar, foi elaborada pelo procurador Jader de Figueiredo Correia, a pedido de Albuquerque Lima, então ministro do Interior.
 
O Relatório Figueiredo
 
O relatório produziu provas testemunhais e documentais, a partir das quais foi possível registrar as práticas de tortura e de extermínio contra os índios durante os anos de 1962 e 1963.
 
O documento agrupa os delitos e, entre eles, encontramos classificados no relatório: Assassinatos de índios (individuais e coletivos); prostituição de índias; trabalho escravo; usurpação do trabalho do índio; apropriação e desvio de recursos oriundos do patrimônio indígena; dilapidação de patrimônio indígena; etc.
 
Crimes contra a pessoa e a
propriedade do índio
 
No relatório, Jader de Figueiredo Correia afirma que foram aplicadas torturas contra crianças e adultos a título de ministrar justiça. Entre tantos exemplos presentes no relatório, pode-se ler um fragmento dos mais chocantes: “Os espancamentos, independentes de idade ou sexo, participavam da rotina (...) Havia alguns que requintavam a perversidade, obrigando pessoas a castigar seus entes queridos. Via-se então filho espancar mãe, irmão bater em irmã, e assim por diante. O “tronco” era, todavia, o mais encontradiço de todos os castigos, imperando na 7ª Inspetoria. Consistia na trituração do tornozelo da vítima, colocado entre duas estacas enterradas juntas em ângulo agudo. As extremidades, ligadas por roldanas, eram aproximadas lenta e continuamente (sic)”. indios luciana-150
 
Porém, “a crueldade para com o indígena só era suplantada pela ganância. (...) Nem todos incorreram nos delitos de maus-tratos aos índios, mas raros escaparam dos crimes de desvio e apropriação ou de dilapidação do patrimônio indígena (sic)”. 
 
Ao se aprofundar na questão da dilapidação do patrimônio indígena, o relatório a classifica da seguinte forma: a) venda de gado; b) arrendamento de terras; c) venda de madeiras; d) exploração de minérios; e) venda de castanhas e outros produtos de atividades extrativas e de colheita; f) venda de produto de artesanato indígena; g) doação criminosa de terras; h) venda de veículos.
 
“Não se pode avaliar o prejuízo causado ao SPI e aos indígenas diretamente durante tantos anos de orgia administrativa. (...) Durante cerca de 20 anos a corrupção campeou no Serviço sem que fossem feitas inspeções e tomadas medidas saneadoras. Tal era o regime de impunidade, que (...) cerca de 150 Inquéritos ali foram instaurados sem jamais resultar em demissão de qualquer culpado (sic)”. – Afirma o relatório.
 
O extermínio de povos indígenas
 
O relatório também alerta para os massacres, mencionando as “chacinas do Maranhão, onde fazendeiros liquidaram toda uma nação, sem que o SPI opusesse qualquer reação (sic)”. Também denuncia que a extinção de uma tribo localizada em Itabuna, na Bahia, se deveu à inoculação do vírus da varicela nos índios “para que se pudessem distribuir suas terras entre figurões do Governo”.  Já os Cintas-Largas teriam sido exterminados “a dinamite atirada de avião, e a estricnina adicionada ao açúcar” enquanto os madeireiros os caçavam a tiros de metralhadora e “rachavam vivos, a facão, do púbis para a cabeça o sobrevivente!!! (sic)”. O relatório também informa que “os criminosos continuam impunes”. 
 
Jader de Figueiredo Correia faz uma reflexão muito oportuna para os dias de hoje: “A falta de assistência, porém, é a mais eficiente maneira de praticar o assassinato. A fome, a peste e os maus-tratos estão abatendo povos valentes e fortes”.
 
A situação atual dos índios não é muito diferente
 
O relatório sobre a situação dos índios Guarani-Kaiowá em Mato Grosso do Sul, resultado da visita técnica feita ao acampamento Pyelito Kue, constata a violação dos direitos humanos mais básicos. Os Guarani-Kaiowá não têm assistência à saúde. Nem mesmo para o atendimento dos casos mais graves. São 150 pessoas entregues à própria sorte. Estão confinados em uma pequena área, cercados por pastagens por todos os lados, com as matas destruídas, e com um rio que, ao atravessar a região, é contaminado pelos pesticidas usados nas fazendas, não há o que fazer, não há o que caçar ou pescar.
 
Instalados nessa área restrita e com um solo pobre de nutrientes, também não há como praticar a agricultura. “Conforme o Ministério Público Federal em Dourados: Somente na Reserva Indígena de Dourados, nos últimos 02 anos, foram registrados 75 assassinatos, dentre eles, duas crianças indígenas. Desse total, 22 mortes perfizeram-se somente de janeiro a setembro de 2012” (sic).
 
Em Mato Grosso do Sul, o Povo Terena luta por recuperar as terras que fazem parte da Reserva Buriti, cuja criação se deu na década de 1920, sob a responsabilidade do SPI. “Assim como aconteceu com outros grupos, os Terena viram-se pressionados pelo Estado, pelos regionais e pelo próprio órgão indigenista a recolher-se a uma área muito menor do que seu território tradicional”, afirma  Lenir Gomes Ximenes, mestranda em História, da Universidade Federal da Grande Dourados- UFGD, em seu texto chamado “A Retomada Terena: O caso de Buriti”.  
 
O livro “Terra Indígena Buriti: perícia antropológica, arqueológica e histórica sobre uma terra terena na Serra de Maracaju, Mato Grosso do Sul”, é a publicação de uma perícia judicial, encomendada pelo Judiciário, produzida em consonância com o que estabelece a legislação brasileira em vigor, conclui: “que o conjunto dos dados recolhidos e analisados pelos peritos do Juízo, possibilita afirmar, com base no que determina a Constituição da República Federativa do Brasil (1988), que a área reivindicada pelos Terena para a ampliação de limites da Terra Indígena Buriti, de 2.090 hectares para cerca de 17.200 hectares é, com efeito, realmente parte de uma grande área de ocupação indígena tradicional (sic)”.
 
Esta perícia-judicial também conclui que os atuais proprietários dessas terras não estiveram envolvidos no processo de usurpação das terras indígenas. O laudo técnico-científico coloca a responsabilidade no próprio Estado de Mato Grosso, exatamente por ter colocado à venda as terras indígenas como sendo terras devolutas.
 
No Pará, as etnias Gavião, Surui, Xikrim, Asurini e Tembé lutam por saúde no Pará, como informa o Conselho Indigenista Missionário – CimiOs indígenas denunciam a precariedade do atual sistema de saúde oferecido pelo Distrito Sanitário Especial Indígena - Guamá-Tocantins. Entre as denúncias estão a interrupção da construção de postos de saúde e a falta de medicamentos básicos nos postos em funcionamento.
 
Em Goiás e Tocantins, cerca de 500 indígenas de 11 povos exigem a revogação da Portaria 303, alegando que esta portaria é, na opinião da indígena Gercina Krahô, “para beneficiar a Kátia Abreu, senadora ruralista e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária - CNA”.
 
A bancada ruralista devorando o
Congresso Nacional
 
A Portaria 303 dispõe, por exemplo, que “o usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas (art. 231, § 2º, da Constituição Federal) pode ser relativizado sempre que houver, como dispõe o Art. 231, 6º, da Constituição, relevante interesse público da União, na forma de lei complementar (sic)". Também dispõe de várias condicionantes para o uso da terra e sua soberania, o que implicará em uma análise para impedir que esta portaria esteja indo de encontro à Constituição.
 
Em 19 de maio passado, o Povo Xukuru do Ororubá- em Pernambuco, junto a representantes de várias aldeias indígenas, afirmaram que os povos indígenas do Brasil sofrem a ameaça de ter os seus direitos desconstituídos, em consequência da ofensiva tramada pela bancada ruralista no Congresso Nacional, principalmente através da apresentação de proposições legislativas antiindígenas, a exemplo da PEC 215/00, em tramitação na Câmara, que acrescenta um inciso ao artigo 49 da Carta Magna determinando que seja competência exclusiva do Congresso Nacional aprovar a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificar as demarcações já homologadas.
 
Para o líder do partido Verde, deputado Sarney Filho (PV-MA), a PEC 215 é um retrocesso, uma manobra para acabar com a política indigenista e ambiental no Brasil, por transferir do Poder Executivo para o Congresso Nacional a prerrogativa de criar reservas indígenas e unidades de conservação. 
 
E por último, o ruralista Blairo Maggi, ganhador da Motosserra de Ouro do Greenpeace, é quem preside a Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado. É a bancada ruralista invadindo, usurpando e grilando não só o Código Florestal, mas agora também as leis indigenistas.
 
indios luciana-610
Mural Hotel Escola de SINTHORESP
Foto: Gerardo Iglesias
 
Rel-UITA
27 de mayo de 2013