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Back ddhh "Os deserdados da terra"
Luciana Gaffrée
Em Montevidéu, Luciana Gaffrée
Brasil
INDÍGENAS
Índios brasileiros podem perder os seus últimos direitos, legalmente.
"Os deserdados da terra"
Em tramitação no Congresso Nacional, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 retira da Funai a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas.
Os índios ocuparam o Congresso
Os deputados correram

 

Na fuga desesperada de parlamentares brasileiros, mostrada em rede nacional de televisão no último dia 16, durante a ocupação de alguns índios ao Congresso Nacional, vemos como a violação do direito de ser e de existir dos índios passa pelo ato de “descobrimento”. Neste caso são os índios que “descobriram o Congresso”.indios luciana-150
 
Centenas de indígenas de várias etnias transferiram o Abril Indígena para uma ocupação no Plenário da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania), conseguindo interromper a sessão da terça-feira (16) da Câmara dos Deputados. 
 
Os índios afirmaram que só deixariam o Congresso quando o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) assumisse o compromisso de cancelar a PEC 215, que transfere ao Congresso Nacional o poder para demarcar terras indígenas - responsabilidade que hoje pertence ao Executivo, por meio da Funai.
 
A PEC 215, proposta de emenda constitucional, foi aprovada no dia 21 de março deste ano pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados em Brasília, com vistas a retirar do Executivo a responsabilidade de demarcar terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação. Com isso, instituições como a Funai, a Fundação Cultural Palmares e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) perderão força. 
 
Se aprovada, a responsabilidade recairá então no Legislativo, isto é, a competência para a deliberação das demarcações de terras indígenas será exclusiva do Congresso Nacional e, portanto, estará sujeita aos interesses econômicos e políticos da bancada ruralista ali presente.
 
Pode-se inferir que os fortes interesses do setor do agronegócio, visando a impedir o reconhecimento e a demarcação de novas terras indígenas, bem como a rever procedimentos de demarcações indígenas já concluídos, geraram essa proposta de emenda constitucional.
 
Os indígenas deixaram o local na noite da própria terça (16), após aceitarem ambas as propostas do presidente da Casa, deputado Henrique Eduardo Alves, que são o comprometimento de não instalar neste semestre a comissão especial que irá analisar a referida proposta e o de criar uma mesa permanente de negociação para discutir propostas de interesse dos povos indígenas. A ideia é que essa mesa seja composta por representantes dos indígenas, bem como por deputados defensores das causas indígenas e por deputados contrários à causa.
 
Além dessa emenda, está também a PEC 237/13, que permitirá, por concessão da União, a posse indireta de terras indígenas por produtores rurais para o cultivo, a pesquisa e a produção agropecuária. 
 
Para Cleber Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário, a PEC 215 é uma clara consequência da posição do governo pelo desenvolvimentismo baseado no agronegócio.
 
Em entrevista ao IHU On-Line, ele afirma ser evidente a existência de uma aliança entre as bancadas ruralista e evangélica para enfraquecer os direitos dos povos indígenas e quilombolas. 
 
Com isso, na opinião de Cleber Buzatto, se for alterada a Constituição Federal, os grandes fazendeiros e as empresas transnacionais conseguirão ocupar, ainda mais do que já ocupam, o território brasileiro, amparados por uma composição amplamente anti-indígena no Congresso Nacional.
 
A luta pela ocupação das terras brasileiras não é só uma luta que atinge os indígenas, mas também tem estreita relação com o novo Código Florestal, com a dificuldade em vermos os motivos do estancamento na reforma agrária, vinculado aos casos de grilagem dos assentamentos e com o enorme aumento do numero de lideranças indígenas, camponesas e sindicais assassinadas e, diga-se de passagem, impunemente.
 
É nesse contexto de impunidade histórica, alimentada pela força do coronelismo latifundiário, que é possível nos toparmos com o comentário da senadora Katia Abreu (PSD/TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Agropecuária (CNA), afirmando ser a violência no campo motivada pelo fato de o direito à propriedade privada ser violado pelas “invasões” de terras, numa já sabida inversão de valores.
 
Essa inversão de valores não é surpresa, se vinda da boca da “Miss Desmatamento” ou “Rainha da Motosserra”, apelidos dados pelos movimentos ambientalistas à senadora, uma das principais representantes do agronegócio.
 
Se por um lado quando a PEC do Trabalho Escravo foi votada em meados de 2012 pela Câmara dos Deputados, Kátia Abreu foi fervorosamente contra. Várias organizações sociais denunciam o envolvimento da senadora com a prática do trabalho escravo, de crime ambiental e de grilagem de terras.
 
Seu irmão, André Luis de Castro Abreu, tinha 56 trabalhadores em condições análogas à de escravidão na Fazenda Água Amarela. Trabalhavam de 10 a 11 horas diárias, com intervalos de apenas 15 minutos para o almoço, em condições insalubres. Não havia água potável nem fossa sanitária. Os trabalhadores foram libertados pela Polícia Federal em agosto de 2012. 
 
A senadora também possuiria uma fazenda, localizada às margens da rodovia Belém-Brasília, embargada duas vezes (2011 e 2012) por desmatamento em área considerada de preservação permanente.
 
Também é de autoria da senadora o projeto de lei (PLS 251/2010), que está sendo analisado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, visando a obrigar os governadores a executar reintegração de posse, em imóveis urbanos e rurais, no prazo máximo de 15 dias. O projeto estaria baseado apenas no “direito de propriedade”, independentemente de esse imóvel cumprir ou não função social.
 
A senadora Kátia Abreu desconsidera a exigência do cumprimento da função social da propriedade para a reforma agrária e a ocupação de terras.
 
E se o assunto é a reintegração de posse, a justiça deu reintegração de posse para o fazendeiro Orlandino Carneiro Gonçalves, assassino confesso do jovem índio Guarani-Kaiowá, de apenas 15 anos. 
 
No meio disso tudo, o Conselho Indigenista Missionário afirma que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) determinou, em relatório divulgado no último dia 3 de março, que o governo brasileiro demarque as terras Kaiowá, proteja a vida dos indígenas e investigue os assassinatos das lideranças.
 

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Mural Hotel Escola de SINTHORESP
Foto: Gerardo Iglesias
 
Rel-UITA
26 de abril de 2013