Um estado paralelo que atua impunemente
Com Dorenice da Cruz
Mato Grosso: terra de ninguém?
Um estado paralelo que atua impunemente
Foto: César Ramos
A nova escalada de violência contra os camponeses e líderes rurais em Mato Grosso reaviva o debate sobre as forças paralelas que governam o Brasil rural. A Rel dialogou com Dorenice da Cruz, secretária geral da CONTAG, para conhecer as medidas tomadas pela Confederação diante deste novo surto de assassinatos, atentados e ameaças contra trabalhadores rurais, sindicalistas e ativistas no estado de onde ela é oriunda.
“Esta é uma situação bastante complicada. Em Mato Grosso, há muito tempo, está ocorrendo uma escalada de violência contra camponeses, ativistas e sindicalistas que lutam por seu direito à terra”, começa dizendo Dorenice.
“Os recentes casos de assassinatos registrados, como os da ex-presidenta do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais da União do Sul, Maria Lúcia do Nascimento, e do casal de camponeses Josias Paulino de Castro e Ireni da Silva Castro, são a prova concreta deste novo surto de violência contra líderes rurais que lutavam pela terra e denunciavam ações ilegais, todas vinculadas com o agronegócio na região”, analisou a dirigente.
Se por um lado os conflitos agrários não são uma novidade, tanto neste estado como em outros do Brasil, chama poderosamente a atenção a proximidade entre as denúncias realizadas pelas vítimas e seus posteriores assassinatos.
Faço o que me der na telha
porque ninguém me castiga
porque ninguém me castiga
A impunidade como combustível da violência
Qual é a mensagem então? Fica claro que não é só intimidar todo mundo que ouse denunciar os crimes cometidos por aqueles que detêm o poder político e financeiro na região, mas também transmitir a mensagem “faço o que me der na telha porque ninguém me castiga”.
O que inspira este tipo de Estado Paralelo, onde os todo-poderosos mandam dizer e fazer, é precisamente a impunidade da qual gozam.
Os companheiros assassinados denunciavam constantemente ações irregulares levadas a cabo pelos latifundiários da região, e pelos empresários madeireiros que realizavam extrações ilegais”, disse Dorenice.
“Josias, por exemplo, era quem vinha denunciando as emissões irregulares de títulos de propriedade definitivos nessa área em nome de fazendeiros e de empresários da região, e era também quem lutava pela legalização das terras do Projeto de Assentamento Müller”.
Nem sequer haviam se passado 15 dias de sua última denúncia, na qual também solicitara proteção devido às constantes ameaças que sofria, quando Josias e sua esposa Ireni foram emboscados e mortos a tiros de calibre 9mm, de uso exclusivo dos militares.
Outra característica destes crimes é o descaramento com que atuam os que ordenam o crime: diante da passividade das autoridades, ou até mesmo cumplicidade, continuam ameaçando os moradores dos assentamentos legais da região.
Dar mais visibilidade a esta violência
Reativar a campanha da UITA e da CONTAG
“É imperioso fazer um chamado à comunidade internacional vinculada aos direitos humanos e reativar a campanha da UITA e de nossa Confederação CONTAG, para enfrentar este flagelo da violência no campo brasileiro”, enfatiza Dorenice.
A CONTAG solicitou a realização de uma reunião urgente entre os organismos envolvidos na questão agrária em Mato Grosso, como a Secretaria de Direitos Humanos, a Secretaria de Segurança Pública, os ministérios da Justiça e do Meio Ambiente, o INCRA e a própria Confederação, junto às suas federações e sindicatos filiados.
“Sugerimos a Defensoria Agrária Nacional como mediadora deste diálogo”, assinalou a jovem dirigente.
“O primeiro a se discutir e resolver nesta instância de diálogo será a proteção que o governo deve prover aos camponeses ameaçados de morte, assim como a investigação dos crimes e a punição de seus responsáveis”, proclamou.
“Por outro lado, a CONTAG reiterará sua posição em relação à necessidade de ser ampliada e agilizada a reforma agrária na região, expropriando e regularizando as terras públicas e oferecendo todas as condições necessárias para isto”, concluiu.