CTNBio estuda a aprovação de quatro variedades de sementes transgênicas -duas de soja e duas de milho – resistentes ao herbicida 2,4-D
O agente laranja outra vez em ação
Armas químicas permitidas?
Na sexta-feira, 19 de setembro, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) estudou o pedido de aprovação de quatro variedades de sementes transgênicas -duas de soja e duas de milho- resistentes al herbicida 2,4-D. Se aprovadas, o Brasil passará a ser o terceiro país a permitir o cultivo dessas variedades
O pedido foi feito pela transnacional norte-americana Dow AgroSciences. Com relação a este tipo de milho, até o momento, o Canadá é o único país onde ele é cultivado legalmente, enquanto que, com relação à soja, além do Canadá, ela também é cultivada no Japão, mas neste país a cultura se restringe a produções isoladas.
O que demonstra que as armas químicas são permitidas sempre que servirem para aumentar o lucro das transnacionais do agronegócio.
Fundada em 1897, em Midland, no estado de Michigan, Estados Unidos, a Dow Chemical, com vendas anuais próximas aos 50 bilhões de dólares, com 42 mil funcionários, escritórios em mais de 175 países e com mais de 3.500 produtos comerciais, é uma das maiores transnacionais químicas produtoras, não só de agrotóxicos, mas também de cloro, plásticos, hidrocarbonetos e outras substâncias químicas, além de sementes e engenharia genética.
A origem da produção industrial do herbicida 2,4-D se deve às pesquisas militares secretas para um possível uso como arma química na Segunda Guerra Mundial.
Cientistas ingleses dos laboratórios da Imperial Chemical Industries (ICI) descobriram, em 1940, as propriedades herbicidas de certos hormônios produzidos sinteticamente e inventaram a molécula química do Ácido metilclorofenoxiacético, conhecido como MCPA.
Posteriormente, trabalhando na molécula do MCPA, os norte-americanos descobriram que, substituindo o metil por uma molécula de cloro, obtinham o ácido diclorofenoxiacético ou2,4-D, reduzindo custos e aumentando a eficiência do herbicida; e que, quando introduziam um terceiro átomo de cloro, obtinham outro produto para uso militar ainda mais potente, o 2,4,5-T, que inclusive agia nas árvores de grande porte, matando-as em poucos dias.
Da guerra ao campo
A combinação dos herbicidas 2,4-D e 2,4,5-T, em partes iguais, gerou uma potente arma química usada na Guerra de Vietnã, denominada Agente Laranja, usada como desfolhante químico pelo exército dos Estados Unidos através de pulverizações aéreas, para impedir que a selva servisse de proteção para a guerrilha do Vietcongue.
O exército norte-americano também utilizou o 2,4,5-T com o nome de Agente Rosa e, mais tarde, como Agente Verde. Depois que o Agente Laranja foi cancelado, passou a usar o Agente Branco, mistura do 2,4-D com o picloram, outro herbicida descoberto pela Dow.
O 2,4-D é um herbicida sistêmico, pois é absorvido pelas folhas ou pela raiz e é transportado pela seiva atingindo todo o corpo da planta, chegando aos órgãos internos e às partes que não foram pulverizadas.
Acumula-se nas regiões de crescimento e induz malformações que matam a planta. É considerado um dos primeiros herbicidas “seletivos” porque mata mais as plantas de folha larga e causa menos dano às de folha estreita, sendo utilizado para controlar as ervas daninhas de folhas largas, anuais e perenes, em culturas de cereais, cana de açúcar, pradarias, áreas industriais, em gramados e campos de golfe.
Em 2005, o herbicida 2,4-D, que tinha sido suspenso pela Agência de Proteção Ambiental de Estados Unidos (EPA), voltou a ser registrado, representando uma vitória para a Dow, mas a luta das organizações sociais e dos governos locais para a restrição e eliminação continua, tanto nos Estados Unidos como em outros países. Dois estados dos EUA e uma boa parte do Canadá estão tomando as suas próprias medidas restritivas ao 2,4-D, devido ao seupotencial para causar câncer e por afetar o desenvolvimento do feto e das crianças.
O 2,4-D é o terceiro agrotóxico mais utilizado no Brasil, só perde para o glifosato e o óleo mineral. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que regulamenta e avalia a toxicidade dos agrotóxicos, classifica o 2,4-D com o mais alto nível de toxicidade.
Segundo Leonardo Melgarejo, representante do Ministério de Desenvolvimento Agrário na CTNBio e responsável pela avaliação de uma das sementes apresentadas pela Dow, existem “riscos alarmantes” na aprovação das sementes. “Estamos criando a possibilidade da pulverização aérea de produtos altamente perigosos”, afirma.
Mais e mais agrotóxicos, até
envenenarmos tudo
Um artigo publicado na revista científica Environmental Science Europa, Chuck Benbrook, da Universidade do Estado de Washington, prevê um aumento de 50 por cento no uso do 2,4-D nos Estados Unidos.
Já o Centro De Segurança Alimentar dos Estados Unidos estima que o uso do herbicida isoxaflutole – fabricado também pela Bayer com a marca ADENGO- aumentará em quatro vezes devido à aprovação de uma variedade de milho resistente a esse agrotóxico.
No Brasil, Victor Pelaez, diretor do Observatório da Indústria de Agrotóxicos e professor da Universidade Federal do Paraná, faz questão de lembrar que, quando a primeira soja transgênica foi aprovada, era mencionada como uma de suas possíveis vantagens a diminuição do uso do glifosato. Oito anos depois, o glifosato continua sendo o agrotóxico mais utilizado no Brasil.
Esse consumo levou à formação de pragas resistentes e, consequentemente, à necessidade de sementes tolerantes a herbicidas mais tóxicos. “Do ponto de vista tecnológico é um retrocesso. Seja porque é preciso utilizar mais quantidade de glifosato, seja porque é preciso utilizar também produtos mais tóxicos. Isso era a crônica de uma morte anunciada. Todo o mundo da área sabia isso”, afirma Peláez.
A empresa Dow vem argumentando há anos que vincular o 2,4-D com o Agente Laranja é um erro, porque os efeitos letais daquele produto eram causados pela dioxina, um resíduo da mistura dos componentes 2,4-D e 2,4,5-T.
Entretanto, os especialistas assinalam que a toxicidade do 2,4-D independe do seu vínculo com a dioxina. Robin A. Bernhoft, da Academia Americana de Medicina e Meio Ambiente, afirma que “o 2,4-D é considerado a causa de todos os cânceres e anomalias genéticas nos filhos de veteranos americanos no Vietnã e de vietnamitas, causados pelo Agente Laranja”.
2,4-D Made in China
A questão também passa pela qualidade do 2,4-D utilizado. Benbrook alerta para o risco de a maior parte do 2,4-D, utilizada no Brasil, ser importada da China e conter altos níveis de dioxina. “Estou de acordo com o fato de o 2,4-D da Dow ser muito mais limpo que o de 1970, mas quem pode garantir que os agricultores brasileiros comprarão o 2,4-D mais caro e mais limpo?”, argumenta.
Melgarejo se foca no mesmo problema, devido à utilização da fórmula 2,4-D conhecida como éster butílico, considerada mais perigosa por formar micro gotas que se dispersam facilmente no meio ambiente.
“Nesse caso, o produto permanece no ar e se espalha por grandes distâncias podendo afetar outras culturas. É uma formulação mais barata, só que mais perigosa. As empresas afirmam que não vão vender no Brasil, mas nada impede que entre como contrabando”, adverte.
No caso de as sementes resistentes ao 2,4-D serem aprovadas pela CTNBio, o expediente será encaminhado ao Conselho Nacional de Segurança, que poderá aprovar ou rejeitar a decisão da Comissão.
Se for concedida, a liberação permitirá a venda das sementes transgênicas para seu cultivo, seu consumo direto em alimentos e derivados, bem como para sua utilização em rações para animais.
Foto: Horst Faas, editor gráfico da AP no Vietnã