Em tramitação no Congresso Nacional, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 retira da Funai a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas
Índios brasileiros podem perder os seus últimos direitos, legalmente.
«Os deserdados da terra»
Em tramitação no Congresso Nacional, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 retira da Funai a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas.
Os índios ocuparam o Congresso
Os deputados correram
Na fuga desesperada de parlamentares brasileiros, mostrada em rede nacional de televisão no último dia 16, durante a ocupação de alguns índios ao Congresso Nacional, vemos como a violação do direito de ser e de existir dos índios passa pelo ato de “descobrimento”. Neste caso são os índios que “descobriram o Congresso”.
Centenas de indígenas de várias etnias transferiram o Abril Indígena para uma ocupação no Plenário da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania), conseguindo interromper a sessão da terça-feira (16) da Câmara dos Deputados.
Os índios afirmaram que só deixariam o Congresso quando o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) assumisse o compromisso de cancelar a PEC 215, que transfere ao Congresso Nacional o poder para demarcar terras indígenas – responsabilidade que hoje pertence ao Executivo, por meio da Funai.
A PEC 215, proposta de emenda constitucional, foi aprovada no dia 21 de março deste ano pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados em Brasília, com vistas a retirar do Executivo a responsabilidade de demarcar terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação. Com isso, instituições como a Funai, a Fundação Cultural Palmares e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) perderão força.
Se aprovada, a responsabilidade recairá então no Legislativo, isto é, a competência para a deliberação das demarcações de terras indígenas será exclusiva do Congresso Nacional e, portanto, estará sujeita aos interesses econômicos e políticos da bancada ruralista ali presente.
Pode-se inferir que os fortes interesses do setor do agronegócio, visando a impedir o reconhecimento e a demarcação de novas terras indígenas, bem como a rever procedimentos de demarcações indígenas já concluídos, geraram essa proposta de emenda constitucional.
Os indígenas deixaram o local na noite da própria terça (16), após aceitarem ambas as propostas do presidente da Casa, deputado Henrique Eduardo Alves, que são o comprometimento de não instalar neste semestre a comissão especial que irá analisar a referida proposta e o de criar uma mesa permanente de negociação para discutir propostas de interesse dos povos indígenas. A ideia é que essa mesa seja composta por representantes dos indígenas, bem como por deputados defensores das causas indígenas e por deputados contrários à causa.
Além dessa emenda, está também a PEC 237/13, que permitirá, por concessão da União, a posse indireta de terras indígenas por produtores rurais para o cultivo, a pesquisa e a produção agropecuária.
Para Cleber Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário, a PEC 215 é uma clara consequência da posição do governo pelo desenvolvimentismo baseado no agronegócio.
Em entrevista ao IHU On-Line, ele afirma ser evidente a existência de uma aliança entre as bancadas ruralista e evangélica para enfraquecer os direitos dos povos indígenas e quilombolas.
Com isso, na opinião de Cleber Buzatto, se for alterada a Constituição Federal, os grandes fazendeiros e as empresas transnacionais conseguirão ocupar, ainda mais do que já ocupam, o território brasileiro, amparados por uma composição amplamente anti-indígena no Congresso Nacional.
A luta pela ocupação das terras brasileiras não é só uma luta que atinge os indígenas, mas também tem estreita relação com o novo Código Florestal, com a dificuldade em vermos os motivos do estancamento na reforma agrária, vinculado aos casos de grilagem dos assentamentos e com o enorme aumento do numero de lideranças indígenas, camponesas e sindicais assassinadas e, diga-se de passagem, impunemente.
É nesse contexto de impunidade histórica, alimentada pela força do coronelismo latifundiário, que é possível nos toparmos com o comentário da senadora Katia Abreu (PSD/TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Agropecuária (CNA), afirmando ser a violência no campo motivada pelo fato de o direito à propriedade privada ser violado pelas “invasões” de terras, numa já sabida inversão de valores.
Essa inversão de valores não é surpresa, se vinda da boca da “Miss Desmatamento” ou “Rainha da Motosserra”, apelidos dados pelos movimentos ambientalistas à senadora, uma das principais representantes do agronegócio.
Se por um lado quando a PEC do Trabalho Escravo foi votada em meados de 2012 pela Câmara dos Deputados, Kátia Abreu foi fervorosamente contra. Várias organizações sociais denunciam o envolvimento da senadora com a prática do trabalho escravo, de crime ambiental e de grilagem de terras.
Seu irmão, André Luis de Castro Abreu, tinha 56 trabalhadores em condições análogas à de escravidão na Fazenda Água Amarela. Trabalhavam de 10 a 11 horas diárias, com intervalos de apenas 15 minutos para o almoço, em condições insalubres. Não havia água potável nem fossa sanitária. Os trabalhadores foram libertados pela Polícia Federal em agosto de 2012.
A senadora também possuiria uma fazenda, localizada às margens da rodovia Belém-Brasília, embargada duas vezes (2011 e 2012) por desmatamento em área considerada de preservação permanente.
Também é de autoria da senadora o projeto de lei (PLS 251/2010), que está sendo analisado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, visando a obrigar os governadores a executar reintegração de posse, em imóveis urbanos e rurais, no prazo máximo de 15 dias. O projeto estaria baseado apenas no “direito de propriedade”, independentemente de esse imóvel cumprir ou não função social.
A senadora Kátia Abreu desconsidera a exigência do cumprimento da função social da propriedade para a reforma agrária e a ocupação de terras.
E se o assunto é a reintegração de posse, a justiça deu reintegração de posse para o fazendeiro Orlandino Carneiro Gonçalves, assassino confesso do jovem índio Guarani-Kaiowá, de apenas 15 anos.
No meio disso tudo, o Conselho Indigenista Missionário afirma que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) determinou, em relatório divulgado no último dia 3 de março, que o governo brasileiro demarque as terras Kaiowá, proteja a vida dos indígenas e investigue os assassinatos das lideranças.
Mural Hotel Escola de SINTHORESP
Foto: Gerardo Iglesias