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Em Montevidéu,
Mundo
CULTURA | HOMENAGEM
Eduardo Galeano (1940-2015)
Um herege
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Eduardo Galeano | Foto: lagaceta.com.uy
“Estamos ficando sem mundo. Os violentos chutam-no, como se fosse uma bola. Brincam com ele os senhores da guerra, como se fosse uma granada de mão; e os vorazes o espremem, como se fosse um limão. Neste passo, temo, mais cedo do que se espera o mundo poderá não ser mais do que uma pedra morta girando no espaço, sem terra, sem água, sem ar e sem alma”, escrevia Eduardo Galeano em 2004, em sua “Carta ao senhor Futuro”.
“Eu lhe peço, nós lhe pedimos, que não se deixe desalojar. Para estar, para ser, precisamos que o senhor continue estando, que o senhor continue sendo. Que o senhor nos ajude a defender a sua casa, que é a casa do tempo”.
Galeano viveu grande parte de sua vida em tempos de certezas para muitos dos que lutavam por um mundo melhor. Mas, dizia que as certezas não eram coisa dele, que ele havia excedido a sua dose de ortodoxia quando ainda criança e adolescente tinha passado pelo catolicismo, e que preferia, de longe, alguém que duvidasse a quem andasse pelo mundo proclamando “seguranças desumanas”.
“Sou um herege de longa data”, escrevia, e respondia a quem lhe criticava supostas infidelidades com relação a várias causas, que quem passa o dia repartindo ortodoxias de um sentido, termina em geral repartindo ortodoxias do sentido contrário. E que estava superpovoado o planeta de casos desprezíveis como este.
Com esta perspectiva não deixou nunca, por exemplo, de defender Cuba. Ou mesmo a Venezuela. Também, a partir de sua perspectiva, não deixou nunca de criticar os governos progressistas latino-americanos.
Odiava que alguns deles se colocassem de joelhos diante dos “poderes que continuam mandando, ainda que hajam perdido uma parte do controle”, tivessem esses poderes “a espada ou o dinheiro como símbolos”.
“Creio na liberdade de consciência, acredito que cada um tem não só o direito, mas também o dever de contradizer, de criticar, de duvidar, de concordar com o que tiver que concordar, mas também dizer não”, afirmou em uma entrevista.
Quando, em 1985, participou da fundação do semanário uruguaio Brecha, junto com vários jornalistas e intelectuais que tinham estado em décadas anteriores na icônica Marcha – ele também – disse que o seu jornalismo escrito nas páginas desta nova mídia, seria irreverente ou não seria.
E assim foi, como suas crônicas dos anos sessenta, setenta.
“Eu ficava surpreso com essa maneira de criar uma frase como quem não ligava para a coisa, mas fazia com a elegância de um lorde inglês, até porque era meio assim”, lembra hoje um companheiro da redação de Brecha, naquela época – início dos anos noventa – muito jovem.
Esse jornalista nunca deixou de se maravilhar pela simplicidade dos textos do Galeano, “uma simplicidade daquela que alguns brincam, mas que era de uma eficácia maiúscula, para conseguir o que queriam: comover para mudar o mundo”.
“Aproveito este texto para mandar um abraço de muitos braços para a população de Famatina, Tinogasta, Andalgalá e outros que não se deixam enganar com histórias dos sanguessugas modernos, que lhe vendem boa saúde enquanto lhe acompanham ao cemitério”, disse em 2012 na Feira do Livro de Buenos Aires, pensando nas pessoas desses povoados do interior profundo da Argentina, assediados por megaempresas mineradoras.
Estava apresentando o que viria a ser o seu último livro, Os filhos dos dias, e diante dos risos do público, acrescentou: “se a natureza fosse banco, já tinham vindo salvá-la”.
Galeano viveu grande parte de sua vida em tempos de certezas para muitos dos que lutavam por um mundo melhor. Mas, dizia que as certezas não eram coisa dele, que ele havia excedido a sua dose de ortodoxia quando ainda criança e adolescente tinha passado pelo catolicismo, e que preferia, de longe, alguém que duvidasse a quem andasse pelo mundo proclamando “seguranças desumanas”.
“Sou um herege de longa data”, escrevia, e respondia a quem lhe criticava supostas infidelidades com relação a várias causas, que quem passa o dia repartindo ortodoxias de um sentido, termina em geral repartindo ortodoxias do sentido contrário. E que estava superpovoado o planeta de casos desprezíveis como este.
Com esta perspectiva não deixou nunca, por exemplo, de defender Cuba. Ou mesmo a Venezuela. Também, a partir de sua perspectiva, não deixou nunca de criticar os governos progressistas latino-americanos.
Odiava que alguns deles se colocassem de joelhos diante dos “poderes que continuam mandando, ainda que hajam perdido uma parte do controle”, tivessem esses poderes “a espada ou o dinheiro como símbolos”.
“Creio na liberdade de consciência, acredito que cada um tem não só o direito, mas também o dever de contradizer, de criticar, de duvidar, de concordar com o que tiver que concordar, mas também dizer não”, afirmou em uma entrevista.
Quando, em 1985, participou da fundação do semanário uruguaio Brecha, junto com vários jornalistas e intelectuais que tinham estado em décadas anteriores na icônica Marcha – ele também – disse que o seu jornalismo escrito nas páginas desta nova mídia, seria irreverente ou não seria.
E assim foi, como suas crônicas dos anos sessenta, setenta.
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Foto: Bernardo Pérez
O falar pausado de Eduardo, sua calma contida, eram isso: calma contida que escondia uma ironia às vezes assassina, por trás de uns olhos azuis enormes que eram a inveja de qualquer congênere, devido à atração que geravam. “Eu ficava surpreso com essa maneira de criar uma frase como quem não ligava para a coisa, mas fazia com a elegância de um lorde inglês, até porque era meio assim”, lembra hoje um companheiro da redação de Brecha, naquela época – início dos anos noventa – muito jovem.
Esse jornalista nunca deixou de se maravilhar pela simplicidade dos textos do Galeano, “uma simplicidade daquela que alguns brincam, mas que era de uma eficácia maiúscula, para conseguir o que queriam: comover para mudar o mundo”.
“Aproveito este texto para mandar um abraço de muitos braços para a população de Famatina, Tinogasta, Andalgalá e outros que não se deixam enganar com histórias dos sanguessugas modernos, que lhe vendem boa saúde enquanto lhe acompanham ao cemitério”, disse em 2012 na Feira do Livro de Buenos Aires, pensando nas pessoas desses povoados do interior profundo da Argentina, assediados por megaempresas mineradoras.
Estava apresentando o que viria a ser o seu último livro, Os filhos dos dias, e diante dos risos do público, acrescentou: “se a natureza fosse banco, já tinham vindo salvá-la”.
Rel-UITA
15 de abril de 2015
Tradução Luciana Gaffrée