Brasil |FRIGORíFICOS |SAÚDE

Audiência Pública pela Segurança dos Trabalhadores
dos Frigoríficos Durante a Pandemia

«A NR 36 uma construção coletiva»

Intervenção do Dr. Sandro Eduardo Sardá

Audiência Pública Virtual do 29 de março, foi aprovada na 2ª Reunião Ordinária da Comissão de Saúde da Assambleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, por proposição da Deputada Luciane Carminatti, com o seguinte tema: “Segurança e saúde no trabalho em empresas de abate e processamento de carnes e derivados”.
A continuação a transcrição do depoimento do
Procurador do Trabalho Dr. Sandro Eduardo Sardá.

Rel UITA


Ilustración: Allan McDonald

Em nome do Ministério Público do Trabalho eu gostaria de parabenizar a Excelentíssima Deputada Luciane Carminatti e o Excelentíssimo Deputado Neodi Saretta proponentes desta audiência pública, e ao fazê-lo saudar todos os ilustres participantes deste importante evento.

Estamos vivenciando, em razão da pandemia de Covid-19, o maior colapso da saúde pública e possivelmente a maior crise sanitária da história deste país, com a média móvel de 2.500 mortes ao dia e possibilidade de chegarmos a 500 mil óbitos.

Lamentavelmente, o Brasil corre mais um risco, o de possivelmente entrar para a história como o primeiro e único pais, que estando no pico e no epicentro mundial da pandemia, ao invés de ampliar a proteção a saúde em frigoríficos, caminha para supressão das pausas previstas no art. 253 da CLT, objeto da PL 2.363/11 que está na pauta de votação do dia de amanhã (30/03/21), na Comissão de Trabalho.

Os frigoríficos empregam cerca de 530 mil pessoas no Brasil, e mais de 85 mil no Estado de SC, e apesar dos avanços obtidos nos últimos 8 anos quanto a melhoria das condições de trabalho, ainda figuram como a atividade industrial que mais gera acidentes de trabalho e doenças ocupacionais. Em cada um dos anos de 2007 a 2019 este é o cenário, segundo dados do Anuário de Acidentes de Trabalho da Previdência Social.

Em apenas 8 meses, foram necessários expedirmos 2 Notas Técnicas sobre a matéria, a primeira em julho de 2020, em face a MP 927 e a segunda ainda este mês, em face o referido Projeto de Lei.

Esta Casa Legislativa, quando da tramitação da MP 927, aprovou em julho de 2020, Moção contra a alteração do art. 253 da CLT, ser inadmissível que se aproveitem desse momento doloroso e altamente nocivo à saúde de todas e todos para aprofundar ainda mais a retirada de direitos trabalhistas.

A aprovação do PL 2.362/11 resultaria que somente os empregados de setores com temperaturas inferiores a 4º C ou que movimentam temperaturas com variações de 10º C teriam direito as pausas térmicas, isto equivale dizer, que mais de 95% dos empregados em frigoríficos não teriam direito a qualquer descanso térmico.

Teríamos o seguinte cenário, mesmo com a manutenção das pausas da NR 36, empregadas, dentre as quais gestantes, poderiam trabalhar até 10 horas diárias, em ambientes com temperaturas de 4,5 a 5º C, sem absolutamente nenhum tipo de intervalo para recuperação ao frio.

Tal cenário, lamentavelmente já é conhecido de todos nós, e remonta a 2007 quando o Canada exigia nos contratos comerciais mantidos com o Brasil temperaturas inferiores a 10ºC nas salas de cortes e os frigoríficos ainda não tinham implementado as pausas do art. 253 da CLT.

Estudos apontam que em um frigorífico de aves cerca de 66,4% dos trabalhadores apresentaram temperaturas inferiores a 15 C° nos dedos das mãos, quando deveriam ser superiores a 24ºC.

Exposições inferiores a 15 °C só poderiam ocorrer ocasionalmente, pois a destreza, a força e a coordenação são afetadas, gerando dor e aumento de acidentes de trabalho.

Em um frigorífico de suínos 66% dos trabalhadores sentiam frios nas mãos. Em outro frigorífico de aves, a maioria dos trabalhadores vestia três luvas e 61% sentiam frio nas mãos.

Pesquisas recentes apontam que não houve diferença entre as mãos direita e esquerda, verificando-se que a maioria dos trabalhadores percebia ambas as mãos geladas e frias.

A ACGIH sugere que ambientes com temperaturas inferiores a 4ºC são necessariamente insalubres, mas evidentemente em ambientes com temperaturas superiores a 4º os fatores de risco como o frio devem ser devidamente analisados.

Os frigoríficos fazem monitoramento diário e constante da temperatura dos produtos e dos ambientes, mas são extremamente raros aqueles que avaliam as temperaturas corporais dos trabalhadores ou entrevistam os empregados sobre a sensação de frio, sendo que as vestimentas atualmente utilizadas em frigoríficos estão longe das adequadas.

Sem sombras de dúvidas, a aprovação, o PL ou da redução dos direitos assegurados na NR 36, nos levará a explosão de doenças ocupacionais e acidentes do trabalho.

Também verificaremos elevadíssimo aumento de ações trabalhistas sobre doenças ocupacionais e sobre o pagamento de adicionais de insalubridade.

Após a aprovação da Súmula 438 do TST, que trata do art. 253 da CLT, em 2012 e da NR 36 em 2013, marcos regulatórios que configuram verdadeiro subsistema de defesa da saúde das trabalhadoras e trabalhadores em frigoríficos, tivemos uma redução substancial de acidentes de trabalho e adoecimentos ocupacionais.

Levantamento de dados em uma empresa do setor revelou redução de 40 mil atestados médicos ao ano para 6 mil, após a edição da NR 36.

Muitas empresas avançaram na implementação de pausas, adequação do ritmo de trabalho, proteção de máquinas e equipamentos e na implementação de medidas adequadas de deslocamento de cargas e recentemente diversas empresas adotaram medidas de proteção à Covid-19.

É fundamental que este esforço das empresas seja reconhecido.

A NR 36 uma construção coletiva

Muitas empresas tem clareza que a NR 36 se constitui um equilíbrio sensível que as beneficia e assegura a saúde de seus empregados e que não deve ser alterada.

A NR 36 foi uma construção coletiva e fruto de amplo debate.

Não foram acolhidos por exemplo, redução do tempo de exposição para 7h20min e distanciamento mínimo de 1,5 metros, o que no atual quadro da pandemia seriam de inequívoca efetivamente para evitar a transmissão da Covid-19 em frigoríficos.

Outras empresas buscam a redução de gastos, em detrimento da saúde das trabalhadoras e trabalhadores em frigoríficos.

A história do trabalho em frigoríficos já demonstrou a capacidade limitada de auto regulação das empresas do setor, tornando-se fundamental marcos regulatórios adequados, dentre os quais o art. 253 da CLT e da NR 36, com a manutenção dos patamares atualmente estabelecidos

O documentário “Carne, Osso”, produzido em 2011, pela Repórter Brasil, com apoio da ANAMATRA e da ANPT, traz um fiel relato do trabalho em frigoríficos.

Diante do PL 2.362/11 o seguinte dilema se impõe: Seria o “Carne, Osso” um registro histórico ou o cenário futuro das relações de trabalho nos frigoríficos brasileiros?

Para encerrar eu trago um retrato de 2007 em ACP ajuizada pelo MPT de onde extraio textualmente os seguintes depoimentos de trabalhadoras:

eles deveriam melhorar a temperatura, que está frio demais. Não é fácil para aguentar na sala de corte…” (fls. 72). “…aqui é frigorífico, mas nós não somos pinguins, pode botar três meias, mais o pé continua congelado e as mãos estão ficam dormente que não sente os dedos” (fls. 279). “…está muito frio, está um inferno…” (fls. 282). “Temos que reduzir o ritmo de trabalho, por que nós não somos robô, somos seres humanos.” (fls. 395). “…estou abaixo de remédio, já estou dopada de tanto tomar remédio para a dor, me ajudem” (fls. 255). Estamos sendo torturados dentro da empresa….” (fls. 285)

São relatos muito tristes e de muito sofrimento nas relações de trabalho!

Mas ainda se faz necessário lembra-los.

É fundamental lembrar a história para não repeti-la!

Lembrar para não repetir é um imperativo ético, político, cultural e constitucional em defesa da vida e do trabalho decente!

Muito obrigado!


NdE: os destacados são nossos.